quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Documento404904930949

Gana e aflição.
Desespero e convicção.
Uma estorinha de gente famosa.


Apenas metade de seu corpo permanecia dentro do oitavo andar do hotel nesse momento congelado.
Fluído, não demorou até atravessar as correntes de ar e ser sugado pela gravidade.
Voou à velocidade do berro descarrado e junto com ele explodiu na piscina.
Desaguou a cabeça e riu muito.
Cabelo molhado, bigode molhado, gozado esse Charly Garcia.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Terror II

Uma história verdadeira, ainda que inconveniente.
Uma fábula clara, mordaz e insatisfatória.
Um lamento.


A esposa engravida e ele vai à guerra ganhar algum dinheiro.
Explodido, perde os dois braços e as duas pernas.
Volta para casa, ganha próteses, assiste ao parto da mulher e recebe o bebê.
Com o filho em mãos, emociona-se além da conta e perde o controle das próteses, que sacrificam o pequeno diante da abismabidade de todos.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Terror I

Uma história verdadeira.
Uma curta narrativa com uma bela fábula - a mim inacessível.
Enjoy it.

O cachorro do diabo.
Uma besta raivosa acorrentada no galpão.
Possuía um ódio interno tão magnífico que, no dia em que abriram a janela para olhá-lo, foi tomado por uma fúria inadjetivável e jogou-se contra os intrusos com a bocarra aberta preparada para lhes tirar um bom pedaço de cara na mordida.
Atravessou o vão da janela; os rapazes caíram no chão apavorados.
Além da fronteira do galpão viu a liberdade no vôo audacioso.
Acorrentado, porém, pela coleira, foi puxado para baixo quando em seu limite e, preso na garganta junto ao beiral da janela, teve uma morte lenta, agonizante e dolorosa assistida por dois bunda-moles.

Vou morrer

Aqui, assim, caminhando.
Distante do centro da praça vejo uma perseguição. Estive pensando nela o dia todo e eis que agora ela faz-se concreta. Deus.
Sobre o círculo que envolve o chafariz. Um magrelo amorenado pelo sol e seus pés no chão. Corria do baixinho piedoso que, quando alcançou-o e pôde enfim chutá-lo, preferiu não fazê-lo. É natal, é natal.
O perseguido corre e foge.O baixinho, astro dessa tarde quente, grita, pergunta onde está a polícia. “Eu tive que reagir! Cadê a polícia?”. A alguns metros, numa área verde da praça, vemos todos, eu e mais algumas mulheres e velhos sentados nos bancos, um acampamento do exército e, logo em frente, estirados sob a sombra, três militares, espremendo uns os cravos nas costas dos outros.
- Olha ali, os caras do exército, digo, mas o baixinho ensandecido nem ouve, grita para a outra esquina, para dois guardas municipais que numa lentidão excessiva caminham em direção ao tumulto.
- Eu tive que reagir!, ninguém ajuda!, eu tive que reagir!, continua o baixinho.
Um dos guardas manda-lhe calar a boca enquanto caminha em sua direção. Ele baixa a bola, aproxima-se dos guardas e explica para onde o sujeito fugiu. “Tem que pegar e bater, bater!”, grunhe o até então há doze minutos atrás pacífico cidadão.
Do ladrão não se tem mais notícia. Os guardas e o assaltado caminham a lentos passos, discutindo a violência na sociedade moderna.
Eu sigo, derrotado como nunca antes.
Atravesso a rua e encontro um flanelinha de idade avançada. Ele toma a iniciativa. Com um marcador de páginas de natal em mãos, pede-me para ler para ele o que está escrito. Encho os pulmões de vontade e com solenidade recito o otimista dito. Termino com um tapinha em seu ombro. Ele não perde tempo. “Eu não sou daqui, sou de Rio Grande, não comi nada o dia inteiro, tu não tem vinte e cinco centavos pra me dar?”. Tenho e dou, junto a um “feliz natal”. Viro-me e já saio tendo somente o chão – a lona – em mente. Ele fala algo. Olho. Ele caminha balançando o corpo pesadamente. Ele fala comigo. “Feliz natal.”. Me arrepio, engasgo na garganta, volto ao chão, mas ele fala de novo. “A gente se acostuma à derrota”. Nos encaramos por um bom tempo. Ao fim, silenciosamente despeço-me e retorno ao meu caminho. Dou alguns passos quando ouço novamente sua voz. Viro-me uma última vez, mas aí ele já não fala comigo; pede a um engravatado que leia o marcador de páginas de natal e caia no seu golpe.
Deus.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Uma Verdade

Hipopótamos são imbatíveis nos açudes.

A Morte do Narrador

Um infarto inesperado. Alcanço o teclado e tento mas não consego escrver nenmmm daskdjakjddkkkkkkkkkkk

sábado, 8 de dezembro de 2007

Sempre penso no ******** ** **** como alguém que não gostaria de não ser cumprimentado¹


Dessa vez foi ontem, quando saía para almoçar e encontrei-o na sala da pensão. Tento um “opa” mas ele corta ainda antes da primeira consoante.

- Porque me cumprimenta aqui e não na frente dos teus amigos, hãen? Eu te vi e sei que tu me viu.


¹ e que não encararia como honra a citação num mal-habitado blog.

Não gosto de citar

Mas, vá lá, Vinícius de Moraes, O DIA DA CRIAÇÃO, um trecho, porque hoje é sábado.

II

Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado

Hoje há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado

Há um rico que se mata
Porque hoje é sábado

Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado

Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado

Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado

Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado

Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado

Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado

Há um grande espírito-de-porco
Porque hoje é sábado

Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado

Há criançinhas que não comem
Porque hoje é sábado

Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado

Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado

Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado

Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado

Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado

Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado

Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado

Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado

Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado

Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado

Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado

Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado

Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado

Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado

Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado

Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado

Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado

De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado

Há uma comemoração fantástica
Porque hoje é sábado

Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado

E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado

Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado

Tande debuta como repórter

(...)
E então, qual o esporte que você pratica?
Hmm, aikidô.
Aikidô? hehehe Aikidô... hihihi Aikidô... huhuhu Aikidô...


FIM.


clap clap clap
clap clap clap

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

A indústria gibitográfica

Resumida num diálogo.


(...)
Não, a Caçadora não é filha do Batman com a Mulher-Gato.
É sim, no SEGUNDO MUNDO é.


FIM.


clap clap clap
clap clap clap

Documento 5

Ramiro foi até o supermercado mais distante que conhecia para comprar suas lixas de unha. Procurando achar encontrou uma banca de amostras grátis. Abaixada, pegando copinhos, uma mulher. Ramiro esperou-a levantar-se, e quando aquela mulher levantou-se, rareou o ar de Ramiro: era sua mãe!

Quando ela fala “chapada...”...

...o Jô se recosta na poltrona e preocupado olha de lado. Não demora, porém, ela completa e conforta-o “...dos Guimarães, uma experiência única...”

Sua participação na televisão

Uma caminhada de um lado ao outro do cenário. Pega bandeja com os pratos e um resto de um pedaço de pastel. Pede licença à madame e atravessa a sala em direção à porta. Quando chega, pára. Olha-nos, olha-a e come o pastel. “Hihi”, regurgita. E se despede.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Documento 390

Tomaso viveu casto até os vinte anos quando, numa milagrosa quase-simultaneidade, viu cair a seus pés duas das mais apetitosas garotinhas que ainda na tenra idade afloravam pela primeira vez para a vida e para os homens.
Com as duas Tomaso viveu até a morte.
Mas antes disso, muito mais cedo, certo dia, ao final de uma sexta-feira quente, na passada na padaria antes da ida para casa, ao encontrar um amigo, Tomaso confidenciou:
“A Mariana era tão bonitinha, pena que depois foi ficando com uma cara de homem... E a Raquel era tão lindinha, pena que depois de um tempo foi ficando com cara de cavalo...”.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Um certo documento 14,5

Não, cara, não, eu não quero restringir tua liberdade nem nada, só to falando, só quero conversar contigo sobre isso.
Não, não, já to respondendo, não, não.
Páára com isso, menina, me ouve, pensa, só pensa nisso.
Não quero pensar, já sei o que eu quero e não vou fazer nada que não seja isso.
Tá, tá, mas deixa de ser tão radical, pelo amor de deus, pensa nisso um pouco, é o nosso futuro, o teu futuro, a tua vida, e o meu futuro e a minha vida.
Não Fabrício, eu já disse que não! Eu só vou fazer o que eu quero, e o que eu quero é fazer odonto!
Pára Luana, pensa... Cara, tu sabe que eu já não tenho muitos clientes, e daí, quando tu se formar, a gente vai ter que dividir essa miséria? Pensa, Luana, pensa, não dá, faz outra coisa, pelo amor de deus. Tu pode até ganhar menos, mas daí eu te ajudo, pelo amor de deus, sou teu irmão, nunca vou te deixar na mão.
Eu não quero precisar não ser deixada na mão! Eu vou fazer odonto e vou ser uma dentista melhor que tu, pau no cu!

domingo, 2 de dezembro de 2007

Para fazer ter valido a pena

Sozinho e em silêncio, bebo até sentir o toque no braço.
O susto me faz virar rápido em direção à mão.
- Assustado?, diz ela.
- Haha, não, não... Sim, sim, na verdade levo sustos o tempo todo, sou um pouco... distraído, não sei---
Ela interrompe:
- Humm, tem fogo?
- Não tenho, não tenho, não fumo...
- Humm, pois deveria... Ter fogo...
Ela me olha e em seus olhos vejo-o: o fogo.
Com seu próprio isqueiro ela acende o cigarro preso entre os lábios.
A tensão me faz amassar o copo. Tento arrumá-lo e ele faz um barulho estranho, engraçado, infantil, PLOP.
Ela ri e eu rio, tamborilando na borda de plástico um ritmo frenético. Ela dá uma longa tragada e joga a fumaça aos céus.
- O filme já vai começar, tu vai ficar aqui?
- Ahmm, não, não, um pouco mais só, eu acho...
Seu olhar é uma armadilha, mas é na boca onde ela guarda sua arma mais poderosa. Vislumbro um sorriso engatilhado. Seus olhos fecham-se delicadamente e, manhosa, ela vira o pescoço e deixa quase que somente o perfil à mostra. Me tem em mãos, e se não acabou com minha vida foi porque preferiu me dar as costas. Espero terminar a dose e volto ao bar.
Peço mais uma dose. Chegou o gelo, diz o rapaz.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Documento 77

Saído, enfim, do reformatório.
Posto em liberdade, afinal.
Com a mochila às costas, caminha confiante até a primeira esquina.
Ali, após olhar para um e outro lado, fica indeciso.
Não sabe que lado tomar. Tem certeza que a tragédia se confirmará perante qualquer escolha - embora, em caráter de definitivo, saibamos, ainda que sorrateiramente, que o que move-o rumo à indefinível situação é o gozo que lhe assombra diante da dúvida e da definição.
Passou muito tempo rodeado de certezas; agora, encantava-se pela mínima decisão.
Ficou na esquina por horas.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Um documento 17

A jovem punk Wanda Maximoff ataca seu irmão Pietro e a Irmandade de Mutantes no apartamento em que vivem os rapazes desde que decidiram praticar atentados revolucionários em nome da causa mutante, conceito que não conseguem articular.
Perdrator, capaz de provocar abalos sísmicos, - nome verdadeiro: john yoshida -, invoca um terremoto contra a adversária. A fissura no chão engole a todos e ao próprio prédio, e seus tijolos e rebocos, sugados, ingeridos e digeridos pela lava, no cretino âmago de magma.

domingo, 18 de novembro de 2007

Documento 8

Mas e daí que dia desses fui visitar meu vô, meu querido vô Veron, e minha mãe me avisou, antes da visita, que ele estava velhinho, fraquinho e com a cuca meio fundidinha. Disse também que ele, sempre homem muito ativo, andava triste pela velhice. Disse ainda, também, finalmente, que ele ficaria muito feliz em me ver.

Sentei ao lado dele, que estava deitado.
Na televisão, um programa de jogos com palitinhos e prêmios em dinheiro.
Botei uma pilha e ele me deixou ligar.
Um jogo de perguntas e respostas. 6 acertos dão acesso ao jogo de palitinhos. A quinta pergunta é sobre o princípio da incerteza de Heisenber, a seguinte, desconhecida.
A primeira foi sobre a final da copa de 98.
Não ouvi um não que abria a frase e acabei respondendo ao contrário.
Caí na primeira fase.
Conto pro vô, ele não entende, entende outracoisa, acha graça, ri, eu rio.

Ele diz que sabia essa, sabia quem ganhou e sabia até o resultado. Sabia quem tinha marcado os gols e qual tinha sido o público. Sabia da bola na trave e das jogadas violentas. Sabia da torcida e do estádio, e de suas cadeiras de plástico, verdes, e da cerveja francesa, e da música da torcida, e das italianas, e, ah¹, lembrava da bahiana, com quem acabara uma noite dançando tango sob o arco do triunfo. Sabia e fazia questão de saber, de guardar para seus momentos finais suas grandes aventuras. Passava os dias absorto, navegando, buscando e trazendo as mais audazes e ardilosas lembranças, para que se despeçam agora que, exausto, meu vô preparava-se para descansar. Pode perguntar pra tua vó, ele disse, pergunta, ela vai te dizer, se num dia vem visita, no outro já nem lembro que esteve aqui. Pra quê que vou ocupar minha cabeça com isso? Abro mão do mundo de hoje e, em troca, consigo até sentir exalar o perfume do mediterrâneo nos portos de Alexandria.

Hmmm, massa, vô.
É, massa.
E amanhã então o senhor nem vai lembrar de mim?
Hmm, acho que não, talvez não. Quase certo.
Hmm, beleza. Viu vô, voindo então, vou tomar uma cachacinha com os rapazes.
Falou, jovem
PÓDESCRER, COROUA.

Clima de Stock Car

Hoje, penúltima etapa do campeonato, o filho do Galvão, Cacá, é o líder da temporada, como já o foi em outros anos em semelhantes circunstâncias que acabaram não resultando no troféu de grande campeão. Cacá já tem alguns anos de experiência sobre os outros pilotos. Começou perdendo para Xande Negrão e a velha geração e hoje perde para o garoto revelação. Esse ano, novamente chega à penúltima corrida podendo vencer o campeonato. Basta garantir o primeiro lugar - o que não imagina-se excepcional para o líder do campeonato. Porém, largará com uma grande desvantagem; envolvido num acidente, sai da décima sexta faixa de colocação.
Mas, bem, vamos à corrida.

Largou!

Não largou, bandeira amarela, não valeu.

Agora largou.

Ricardo, Duda, Fontes, Pizzonia são os quatro primeiros.

Cacá Buenao (vai assim mesmo, Buenao) atrás de Ingo Hoffman, outro lendário corouinha. Tá em 11°.

Fácil, fácil de bobear e achar que os carros são de brinquedo.

"Cacá Bueno já é noono a essa altura!" E diz que já assim é campeão.

A equipe de tv botou duas câmeras em carros.
Uma na traseira de Robsón Crusoé, que já na primeira curva, após batida e deslocamento de eixo, saiu da corrida, e outra no carro de tiago camilo, que vinha até esse momento merdeando em décimo-quarto e só abandonou esse comportamento apenas para entrar num companheiro quando este freou para fazer a curva. Tiago Camilo era o segundo colocado no campeonato. Tudo parece levar à grande vitória de Cacá, afinal.

Alex Dias, "o Boiadeiro", atacante do Vasco, aparece pra dar um alôu.
"E aí, Alex Dias, veio fazer uma forcinha pro Cacá?"
"Isso aí, vim aí, fazer uma forcinha pro Cacá. Heh."
"O Cacá que é tricolor roxo, Cléber!"

Hmmm, Cacá Buenao faz sinal para a câmera: quebrou alguma coisa.
"Pode ter sido a bomba da direção hidráulica", diz Reginaldo Leme.
"Foi a bomba da direção hidráulica", confirma o repórter.
"Nossa, Reginaldo, isso, do alto dos seus muitos anos aí de trabalho viu já só no olhar..."
"É, é, obrigado Cléber. Mas o bom disso é que dá pra terminar a corida assim. Não tem o conforto de antes, mas dá pra levar. Vai doer um pouco o braço, mas dá pra levar".
Pelo rádio, Cacá: "Ai gente, não dá pra levar.".
Nah, mentira.

Cacá perde posições e retorna à décima-primeira. Já não é mais campeão.

Cacá, com a direção hidráulica quebrada, passa três numa acelerada só.
Conhece uns truques, o juvenil.

Acidente.
"O pneu ficou muito sujo".
Os dois que disputavam a curva acabaram perdendo-a.
Não sei quem são, brigavam pela terceira ou quarta posição.

Captam o rádio do Rodrigo Sperafico:
"Passa mais um, passa mais um, menino."

Duda Pamplona dá um chega pra lá em Ricardo Sperafico e assume a pole.

"Temos ainda seis voltas, muito calor, há o desgaste dos pneus, as ligas borradas, o motor engasgado, emocionate, Cléber, emocionante".

Um laranja vai pra cima de Cacá. Ele não quer entregar a posição e na curva ambos se tocam e derrapam. Na hora vejo Galvão com a mão no coração: "Essa briga não é essencial! Essa briga não é essencial!"


E tudo termina.

Vence Duda Pamplona pela primeira vez na vida e Cacá Bueno é o campeão brasileiro de stock car tendo este ano vencido em Santa Cruz, Curitiba e Buenos Aires (capital do Brazil).

Cacá desce do carro e começa a socar o ar. O repórter tenta garantir a exclusiva e leva uma porrada no braço. Cacá faz força, "yeah bicth!".
Tira o capacete e dá a entrevista. E revela nossos erros da reportagem - quanto aos fatos, que fique claro, não quanto à essência. Na verdade, Cacá é agora bicampeão, porém após três vices consecutivos. Taí, deu a volta por cima. Belo exemplo. Um abraço pra ele, outro pra você, tudo de bom para a família, feliz domingo, amingo.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Uma tarde quente no início do verão

Uma tarde quente no início do verão. Pegou o envelope para dépósitos e, olhando para o código de barras no verso, utilizou sua poderosa capacidade mental e decifrou os simbolismos gráficos abstratos monetários. Apóss, foi ao mercado, e, junto à coluna no final do corredor de sopas e ervilhas, olhou na luz verde do conferidor até ouvir o *bip* que tão logo soou se transformou em *corneta olímpica* e na mensagem VÁ AO DEPÓSITO. Foi, fui, foi. Foi, redondo rodando, e quando atravessou as cortinas e encontrou-se dentro do gigantesco depósito,

No primeiro dia em que passei por ali

No primeiro dia em que passei por ali, o cara menor sentado no banquinho já se levantava dizendo “qual é o problema, é tu que paga minhas contas?” bastante visivelmente agora nervoso. O outro camelô do calçadão dos doce, maior, com um cabelo comprido que fugia em mexas debaixo do boné vermelho, white man people, não disse nada. “Quer pagar umas minhas conta, cara? Porquê se pra tu ficar dizendo isso é porque tu quer pagar minhas contas!”. O silêncio; o outro tremia. “Muahahaha!”. Eu tive de seguir meu caminho, a corrente, o fluxo populacional, o povo, insistentemente me convencia àdiante.
No outro dia, imerso em incertezas, acabei, imagino-o conscientemente, sendo levado pelo acaso a passar novamente pelo calçadão dos doce (a hipótese mais aceitável, que logo pensa ser este o caminho que leva da casa até um ponto importante para a, digamos, sobrevivência, é falsa. Tomo um novo caminho a cada novo dia.). Quando dou-me conta disso tudo passo a procurar os personagens daquele insólito acontecimento do dia anterior e não demoro até encontrar uma grande cabeça vermelhamente embonezada. Está mais próximo do que havia imaginado. Com poucos passos já passo em frente a ele. Ele, que olhava para o outro lado, vira o pescoço. Nos olhamos. Meus olhos, seu olho roxo. Reconheço a ferida e disfarço. Sigo em frente. Ele grita: “Qualé que é, cara!, quer pagar minhas contas!?”. Tento abandonar o sonho, mas ele já segura meu ombro. Viro-me e vejo-o: muito maior, o olho roxo ainda mais escuro. “Hein, cara!, hein, cara!, quer pagar minhas contas?” Pega no colarinho e me levanta do chão.
Sigo meu caminho e saio andando, sob os desígnios da maré de gente não consigo terminar a stória.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

O Retorno de Ronaldo

Milan e Atalanta marcariam nesse domingo o retorno aos gramados do agora cabeludinho Ronaldo, o fenômenom. Marcariam. Nesse mesmo domingo, 11 de novembro, algumas horas antes do da partida, um torcedor da Lazio foi morto por policiais. Esse acontecimento revoltoso inspirou os torcedores do Atalanta - que vinha bem no campeonato, com possibilidades de bater o Milan - a cancelar a partida, em respeito ao morto. Jogaram bombas e rojões no gramado, estouraram fogos de artifício nas arquibancadas e derrubaram uma parede de vidro blindada. Como nenhum dos jogadores tinha um contrato que cobrisse a periculosidade de ser destruído, o juiz teve de mandar todos de volta aos vestiários, e dali para suas casas.
Quando a polícia chegou, os revoltosos já estavam saindo do estádio. Munidos de escudos, capacetes e cacetetes, lançaram-se furiosos contra os torcedores. Correram para o confronto e foram confrontados. Uma pauleira.
Ronaldo segue sem jogar.

sábado, 10 de novembro de 2007

Conquista gaudéria

Como tem Renato no Rio de Janeiro.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Fantasia no ar

(...)

- E viu, eu posso mandar um recado?
- Ora, Cláudio, é claro, pode pedir, peça!
- Eu queria mandar um recado pra Marcinha.
- Um... recado... pra... Marcinha...?
- É, pra Marcinha.

Zoom, eis Marcinha.

- Ahmhumm, pra Marcinha, Marcinha, Marcinha, Cláudio, manda, Cláudio, manda o seu recado pra Marcinha.
- Marcinha.

Marcinha abana, sorri e manda beijos.

- Marcinha.

Ela lá fala oi sem que nenhum microfone ouça.

- Marcinha, meu amor. Te amo, te furo toda, te furo todinha, meu amor.

Calafrios.

Ben Des

Aaah, tire esses insetos de mim.

Naah, nós apenas começamos a zoar.

O filho da senhora foi morto por punks.


Diz o inquérito policial, diz ela, disse a imprensa na época, diz o outro debatedor. Pira, o anarcopunk, não foi isso, não foi isso não. Lobão ri com o vocalista, bom piadista. Retoma, num certo momento: no punk, cada movimento é independente e não se responsabiliza pela ação de terceiros. Se um outro movimento punk que não o anarcopunk pratica qualquer ato, nós não temos nada a ver com o fato.
Lobão olha para o diretor: porra, quem escolheu esse cara, o tema do programa é punk, não anarcopunk.
O anarcopunk prossegue: e se não fosse assim, pensa nos hiphoppunks, pensa no que seria de nós, pensa no que seria de mim. Lobão aponta para os seguranças: tirem esse homem daqui!
Eles o agarram, e enquanto não tapam sua boca e jogam-no ao fosso, acusa: senhora, que lhe sirva de alívio, foram os vegetopunks que levaram seu filho!.

Esperou ser lembrado

E morreu.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Ele tentou, tentou e tentou

Quando mais não suportou, falou:

- Não adianta, sem um bom olhar não há fotografia.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Como já bem disse Lobão

"Não imitem tanto o capitão nascimento, seus idiotas".

feirra

A feira do livro de pelotas acontece nos mesmos dias da feira do livro de porto alegre, numa pracinha do centro em volta de um chafariz. Os livros são todos para crianças, mesmo os adultos, religiosos ou não. Em frente, aquartelada, a biblioteca pública municipal nega o acesso; jaz em reforma.
Que foda.

sábado, 27 de outubro de 2007

cristine fernandes

Agora, na tv, sofre cristine fernandes, coroua atriz sentada de costas para as câmeras e a platéia, feia como um cão, dentes abertos, topete encoquecado, contraposta agora ali no programa, veja o infausto destino, à não menos coroua porém resplandecente rainha do axé bem pegado Elba Ramalho, uma das últimas beldades remanescentes do cinqüentenário passado, uma nobre lembrança de cotovelo arreganhamente enrugado.
Mas cristine fernandes. Tem a fala ilustrada por imagens de arquivo. Poupam-lhe os primeiros planos enquanto abundam e deliciam-se com detalhes de Elba e sua mão doce escorrendo através do prestigioso caminho entre os seios.
Mas cristine fernandes. Já disse " A que nunca assistiria: Programas burros de auditório. 'Porque aviltam a inteligência do povo'.", e agora se faz correr depressa para alcançar o abraço do Márcio Garcia antes que o encanto da musa bahiana fulmine e aniquile sua feminilidade em rede nacional.
Fracasso, fracasso, embora aparente felicidade.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Até então o homem pôde apenas incentivar

Agora, ali, teve que fazer. Grande mordida, boa bocada, sim, rompera-se o cordão umbilical.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

A pergunta do Jô

Nas noites frias de convidados ressabiados, ele, desgostoso perdigoto, lança:
Você tem alguma mania?

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Não fui almoçar

Não fui almoçar. Estava enjoado das pessoas, das conversas e do caminho de sempre, das mesmas ruas e calçadas que tinha de percorrer para ficar sob a sombra. O sol queima o pescoço, nesse horário. Ferve o couro cabeludo e sua a testa. A fome ainda não encomoda. Acordei tarde, e decidi não sair de casa. Nem do quarto. Hoje estou cansado de rir e concordar. Vou ficar no meu quarto. Eles que encontrem outro conformado. Não to pra ninguém.

Uma nova amizade

Não costumo pensar direito quando alguém pega minha atenção inesperadamente. Demoro alguns minutos até compreender qual é o assunto da conversa, o objetivo do sujeito e a minha opinião. Assim, durante esse período inicial de conversa, meu leve retardamento responde sempre afirmativamente E SORRINDO. Foi assim que emprestei meu quarto na pensão para o Acácio e a namorada foderem furiosamente.
Eu ainda segurava a sacola de massa e sardinha numa mão enquanto com a outra tratava de deschavear a porta quando ele se aproximou com um ruidoso Ôôôôôô, Andrade!. Olhei por cima do ombro e vi a cara gorda crescer na mesma medida em que o arreganhamento dos dentes. Ô cara, olha só, já falei com o seu Zé e ele disse que não tem problema e eu queria ver contigo o que tu acha de me emprestar o quarto pra eu ficar com a minha namorada que vem de Jundiaí porque tu sabe né, não vou levar minha namorada pro meu quarto porque tem o Miguel e como tu tá num quarto sozinho imaginei que tu poderia deixar eu ficar com ela, uma semaninha só, eu ia colocar ela num quarto de hotel, mas é muito caro, tu sabe, ia torrar uma grana preta, disse ele, terminando num três pontinhos. Antes de reponder abri um sorriso de boca fechada e então “claro claro, sem problemas”. Ele deu um longo suspiro, estava aliviado. Bateu no meu ombro agradecendo e até deu uma piscada sacana “ela vem terça, com aliança e tudo. Vou terminar com ela na quinta”. Mas tu é mal, hein, ô Acácio. Fiquei rindo e concordando com a cabeça e fechando a porta enquanto ele continuava falando. Desculpa, amigo, teu tempo acabou, se contente com o favor e não enche o saco. Já tranquilo, não consegui parar de pensar no que aconteceria a seguir: ele puxaria conversa a todo momento, me cumprimentaria de um jeito intenso e maneiro, daria risada de qualquer comentário que eu fizesse, discursaria sempre antecedido por um “Hein, Andrade, olha essa...”, enfim, trataria de me convencer de que era um sujeito legal que merecia receber o nobre gesto de uma amizade inexistente. Quanta xaropeação. Mandei ele tomar no cú e até mesmo dei umas pancadas naquela cabeça grande e redonda - imaginação, mas já deu um alívio.
O Miguel era meio maluco. Ficava o dia todo fora, chegava no meio do jornal nacional e sempre reclamava do cheiro quando passava pela sala. Era um baita brutamontes com uma tatuagem estranha no ombro do tamanho dum prato. Entrava na casa e ia direto pra cozinha. Fritava uns dois, três bifes, fazia um arroz e um molho com uns temperos que tirava do bolso, misturava tudo numa gamela e devorava ruidosamente com um grande colher.
Vai, Acácio, tu fica me devendo uma.

Grande Cacau

Mmmm, mas quê cheiro de chocolate...
Ahm...
Sou TARADA por chocolate.
Ueba.

Ôsse

Me dá um colírio Teuto.
Teuto?
É, esses alemãos sabem o que fazem.

Ele fez o que eu não fiz

E agora estamos aqui, os dois fodidos...

Como lidar com aquele colega que fala demais

Fale alto demais.

Dislexia

Comia, sentado num banco de praça rodeado de areia algumas pernas afastado da calçada.
Fico muito ansioso.
Não consigo descrever e escrever parte por parte.
Vou adiante.
Que merda.

Pisante

As pessoas olhavam meu tênis rasgado. Estava rasgado nos dois lados nos dois pés. Era confortável como nenhum outro tênis que já tive o fôra – e a causa disso não são os rasgos, mas sim os anos de pacífica e prazerosa convivência que nos uniam intimamente. Só lhe dava descanso nos dias de chuva e nas noites de festa.
As pessoas que olhavam o tênis não sabiam e nem pensavam nisso. Olhavam o tênis e julgavam meu caráter financeiro. Eu não estava nem aí para o meu caráter financeiro. Estava preocupado demais para pensar nisso. Estava confuso e não sabia o que fazer. A decisão aguardava o sol se pôr. O orelhão estava ali, à minha frente, a me lembrar em volta do quê meus pensamentos deveriam rodear. Mas não funcionava. Eu apenas olhava para a rua em frente e para os carros e para as pessoas que passavam e não via ninguém. As formigas no chão marchavam em direção ao prédio abandonado dos correios, voltando de mais um dia de trabalho. Pensei que poderiam escalar meus tênis, entrar por baixo da minha calça e me devorar, mas não, as formigas não gostam de tênis rasgado.

Então

As pessoas me acham quietão. Nunca ninguém me disse isso, mas eu sei mesmo assim. Sei porque me comporto como se comportaria um cara quietão. Não falo muito com nenhum deles, só o essencial: saudação de chegada e saída e eventual risadinha após algum jocoso comentário. Acham que eu sou quietão. Não sou, mas não faço questão nenhuma de dizer isso a eles.

Pornochanchada é de madrugada

Ah, diz aí.
Não digo.
Ah diz aí.
Não digo.
Ah diz aí que eu sou o dono do seu cabacinho.

É, os rapazes ficam mexendo com você, tirando uma onda, mas isso é normal, é do espírito do carioca.

Olha,meu irmão, me deu vontade de fumar um cancereso, e aí.

Você não é mais o dono do meu cabacinho.

Wind

Ah, seu Zé, putaquepariu, ó o tamanho do buraco!
Pára ô rapaz, tu não tem cobertor?
Tenho, mas e daí?
Então se cobre, ora.
Ô, seu fodido, tu tá louco?

Um gosto estranho

Acordei com um gosto estranho na boca. É a água. Essa água podre da torneira. Já no meu primeiro dia aqui assisti no canal dos vereadores a uma discussão sobre a água. Um vereador dizia que a água estava contaminada com magnésio, mercúrio e outra podreira e que ninguém tomava providências, que o povo estava ficando banguela e careca e etc. Um outro refutou argumentando que todo mundo já sabia disso e que quem tomava água da torneira conhecia de antemão o risco que corria. Um terceiro vereador subiu à bancada reclamando que assessores seus haviam sido agredidos e o assunto água não foi mais retomado.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Argentinos jogaram râguebi

Choraram abraçados ao final.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Deitado

Deitado, lê a última frase e fecha o livro.
Levanta, abre a porta e sai para o lado de fora.
Chove no meio do oceano.

sábado, 6 de outubro de 2007

Um fracasso

Um fracasso minha campanha para que as pessoas fossem mais ao cinema. Após ter saído no domingo noturno de uma sessão inebriante com a certeza de que aquele ambiente e seus acontecimentos e mecanismos próprios eram, sim, realmente, mágicos e altamente fecundos em relação às emoções e criatividades dos participantes desse verdadeiro ritual de transmutação, senti-me forte por ter finalmente encontrado um motivo, uma causa concreta e merecedora que justificasse e impulsionasse meus hábitos e minhas atitudes a partir de então.
Pois eis que dois dias após incluir nas mais díspares conversas comentários sobre a necessidade espiritual de se ir ao cinema – ainda mais quando em contato com estudantes da sétima arte -, cai a notícia: fechou o Cine Capitólio.
O Cine Capitólio é um dos dois cinemas de Pelotas. Possui duas salas, uma pequena e convencional na disposição da tela e das poltronas e uma outra, a sala um, enorme, uma tela gigantesca acima de todos os setecentos fiéis assentos posicionados um atrás do outro com uma suave elevação em direção aos frontais e aos finais. Um parêntesis deitado, assim lembro, estranho, exótico, MASSA, o Cine Capitólio. Fechou.
Sobrou o outro, chamado CineArt, três salas, alguma centena de lugares, posicionado num dos tantos shoppings-galeria do calçadão central pelotense. No quarto andar do dito estabelecimento comercial, chega-se até ele através de 3 escadas rolantes mumificadas responsáveis pela circulação de pessoas entre os andares. Detalhe que é uma única – e estreita – escada de ligação por piso, o que leva os rapazes a aguardar para subir quando alguma moça desce. Cavalheirismo old times na marra. Mas minto, ou omito (ominto), se não conto do elevador. Há, sim, um elevador, um metálico e alucinado elevador, dir-se-ia comprado de um parque de diversões. Dir-se-ia. Hoje passei lá, uma cerca amarela não permitia o acesso: há de ter salvo muitas vidas.
Mas aí já escondi outra escada, uma em espiral, essa larga, antiga, no fundo do shopping. Atravessa os andares e leva até o 2m por 2m pôster do Homem-Aranha 2 que lhe acompanha os últimos degraus. Findos, eis o CineArt. Caminhei até ali para tirar algumas fotos, mas, desculpem-me, não havia o quê ser fotografado. Rodeei pelo Hall de entrada, olhei alguns pôsteres e voltei à agora íngreme escadaria. No andar de baixo um segurança entrou no carrossel. Me vendo olhar o chão do primeiro andar pelo vão entre os contorcionismos arquitetônicos, disse: “Não pula que tu vai se machucar”. Ri e não deixei de aproveitar:
- Tu viu que fecharam o outro cinema?
Ele:
- Hein?
- Fecharam o outro cinema, o Capitólio.
- Ah, sim, sim, também, não dá dinheiro. Vai virar igreja. Nada dá mais dinheiro que a fé. – Segurei o “FÉ DOS BOBOS!” pra saborear a cereja – A fé remove montanhas, guri.
Vou até o Capitólio. Alguns homens conversam em frente, escorados num carro. Eu do outro lado da rua tiro algumas fotos. Ao meu lado, um sujeito imita com o celular. Penso em dizer alguma coisa, um “bah” grave e pesaroso, mas não sai nada. O ar carregado de vislumbres do quê o falecido Cine Capitólio poderia muito em breve se tornar encarcerava qualquer palavra a respeito dentro da boca e do coração de qualquer um. Atravesso a rua, fotos e fotos, e ouço um pouco da conversa dos três sujeitos. Apenas um deles fala, o maior, mais novo e mais careca, a balaca num esquisito fone de um ouvido apenas: “Tem que fechar, não adianta, ali no outro bota duzentos e tá lotada a sala, aqui... Pssssss.”
É tudo. O poder dos idiotas.


Save yourself.


A reforma ficará DIVINA.


O presunto.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Do tempo em que eu saía de casa

Do tempo em que eu saía de casa e caminhava por horas com a estranha sensação de já ter dito ou ouvido isso antes.
Uma loja toda vazia, em reformas. Em frente à fachada de vidro, percorrendo toda sua extensão pelo lado da calçada, uma fila de desempregados, mulheres em sua maioria, baixas, altas, magras, gordas, bundudas, peitudas, feias como o cão, e um homem, um único, negro, alto, cabelo engelado, não por isso menos pichaco, um dos primeiros. Uma pequena folha colada no vidro anuncia: quatro vagas, requisito mínimo de três meses de experiência. É.
Sigo e paro num macdonalds, uma casquinha por favor, mista mesmo. Esperando, um garoto me cutuca o braço chamando o tio. Pede um níquel, pergunto se ele é bom em matemática – já o conheço da saída do supermercado -, ele ri, abobado, o menino, todo lambuzado. Cinco mais cinco, quanto é? Vinte. Não, não... Dez! Iiiisso, toma moedinha.
Sento num banco e luto contra o vento que em vão tenta descongelar o sorvete e me banhar a bermuda. Passa uma conhecida, ela e a amiga, os óculos escuros, ambas. Parece caminhar em minha direção, quando se aproxima ergo as sobrancelhas, arriscando um cumprimento, ela passa pelo meu lado, os olhos sabe-se-lá onde. Sinto o pingo gelado, bobeei. Tento limpar com o guardanapo mas só o que faço é espalhar e alargar a mancha. Termino o sorvete, me espreguiço, levanto.
Passo novamente em frente à fila do desemprego, agora mais mulheres, apenas mulheres. Uma alheia pára ao ver a fila, caminha até o anúncio, lê-o e entra na indiana. Caras feias para a concorrência, uma negra e uma loira pintada, as duas empeneuzadas. Abro um sorriso, elas se fecham. Pit-stop pra vocês.
Dentro do mercado, uma vontade súbita de morrer. As sacolas pesadas parecem não se satisfazer com o chão, querem me levar direto ao inferno. Passa um amigo, não vi, não quero conversar. Uma ventania levanta areia até meus olhos, eu coço, eu coço, mas continuo sem enxergar nada.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Quando cheguei

Quando cheguei o garoto já estava chorando, prensado na parede, as lágrimas escorrendo junto ao descascado muro amarelo, adquirindo essa tonalidade e retornando ao rosto à tempo de morrer na boca. O outro sujeito forçava o antebraço contra sua nuca, gritando a cada gemido que dava para que calasse a boca e ficasse na boa. Perto, dois homens escorados em um carro observavam tudo, numa expressão que confundia o medo de rir com o medo de apiedar-se. O rapaz começou a xingá-lo, a boca colada no ouvido, fazendo com que o garoto aumentasse o choro para que pudesse ouvir a própria voz, um conforto, o único, o último, desde sempre.
A polícia não chega e começo a questionar se foi chamada. Penso em fazê-lo mas logo considero ser isso ainda mais nocivo e perigoso para o jovem. Pessoas que passam, homens, param, mulheres, viram o pescoço – para o acontecimento, óbvio. Um gringo de uma fruteira ao lado da casa do rapaz se aproxima, fica a poucos metros do mocinho e do bandido, ele não tem medo, veja só, nem nojo, e é tão macho que leva panfletado na cara um sorriso emborrachado, satisfeito. Os dois outros homens já riem, ainda que muito intimamente e tendo um o outro como alvo. Do outro lado da rua brotam espectadores. O rapaz joga o garoto no chão, ele cai chorando e assim continua, procurando na calçada empedrada o abraço carinhoso, as tetas acolhedoras da mãe áfrica que deixara para trás. O outro o manda sair dali. Grita enquanto o garoto tenta sentar e escorar as costas no muro que antes lhe servira de pedestal. Chora como uma criança, um bebê beiçudo afogado em lágrimas e muco.
As ordens para que suma dali, desapareça, não são atendidas, ou ouvidas ou entendidas. Na verdade, falta coragem, força, vontade. O outro tenta animá-lo: um pontapé com a sola do calçado na cara, no capuz branco do moletom branco que lhe cobria a cabeça, agora mais amarronzado, semelhante. Ele cai deitado, mais para o lado do gringo, contente, “virou pra cá, boa-fortuna”. Mais pessoas no ao redor. Numa esquina, na porta de um restaurante, uma jovem acompanhada com seu parceiro masculino ria, achava graça, se divertia; um atrativo antes da refeição. O rapaz continuava a mandá-lo sair dali e nunca mais aparecer, nunca mais pisar na calçada de sua casa. Ele chorava, tanto que agora já menino parecia não absorver os mandamentos, falta de respeito de último grau. Um circo, sentiu o rapaz, que decidiu ter sua recompensa ali e agora, passando a chutar o moribundo com violência, na cabeça, nas costas, no cú, recebendo e presenteando a todos com gritos horríveis de terror e desespero engasgados. Os primeiros dois homens se cutucavam mutuamente, o gringo, de braços cruzados, só faltou arrotar, a barriga cheia, pesada, bom dia, bom quebrar a rotina, pensava. Após uma sequência de golpes, o rapaz voltou a mandar o garoto embora, mas a resposta foi somente o choro entrecortando por gemidos de dor. Passava a mão nas costelas. O outro passou a pisá-lo, causando um mínimo movimento defensivo do garoto, que fracassado tentou desviar os golpes do rosto. Pisões, pisões, e a cereja, as costas arqueadas, o soco certeiro, PAM, sangue escorrendo do nariz, rasgado onde nascerá um caroço. Um sujeito ao meu lado acha melhor ir embora, pra não ter o problema de ser chamado como testemunha. O garoto estatelado no chão, em prantos, e já acho que mesmo uma maldita polícia cairia bem, alguém para lhe tirar do espancamento público, da violência gratuita. Uma mulher abre a porta, diz “Amor...”. Amor lhe dirige o olhar, ela fecha a porta, ele volta a mandar o garoto sair, mas parece que esse pesadelo pesado e concreto levou-lhe embora qualquer resquício de lucidez e discernimento, deixando no lugar apenas a dor e os desendereçados lamentos. Cansado, o rapaz pega-o no colo e joga-o na sarjeta onde corre um pequeno riacho de água escura e sacolas plásticas. Chuta-o enquanto lança os últimos desaforos. É quando de repente Um carro chega rápido e estaciona a poucos metros do local. De dentro sai já correndo um homem negro. Ele tem papéis numa mão, chaves na outra. Dispara na direção dos dois, passa por eles e entra no escritório de contabilidade ao lado da padaria ao lado da casa.
O rapaz abandona o garoto e sai de perto, dando as costas. O garoto aproveita a brecha e, com a palma da mão machucada, agarra firme uma pedra que encontra no chão, ao seu lado, companheira ocasional, irmãzinha, uma divagação certeira do destino. Sem pensar duas vezes, levanta-se apoiado nela e caminha até o outro lado da rua, onde tomba desfalecido em meio ao movimento dos que vão e dos que vêm.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Antonioniou

E esse saco de gelo aí

E esse saco de gelo aí, garoto?
Ah, churrasco com a gurizada, hehe.
Ê coisa boa, meu tempo de estudante...

E esse saco de gelo aí, garoto?
Ah, vou matar aula pra tomar um litro de uísque, hehe.
Ê coisa boa, meu tempo de estudante...

E esse saco de gelo aí, garoto?
Ah, é pra conservar o corpo do meu gato no frigobar, hehe.
Ê coisa boa, meu tempo de estudante...

Emigração

Nordestinos vendendo carteiras no centro de Pelotas. O mais novo e escuro empurra o carrinho: faz curvas bruscas, sobe e desce a calçada e por fim persegue o outro que desfila zombando: “Porrrco dio!, Non vá me atropelar. Porrco dio, porrrrco dio!”. Riem da suposta italianice pelotense.

O sinal continua vermelho

O sinal continua vermelho, eta motoqueiro nervoso. Acelera no ponto morto, brrrrrrãããããã. Dou o primeiro passo da travessia quando vejo – vemos – o sinal do outro sentido amarelar. Inicio uma corrida. Ele acelera mais alto, ameaçador. Corro. Vejo pelo canto um pouco do verde, um pulinho até a calçada. Ele continua acelerando. Quando vai arrancar, apaga a moto. Vejo ele nervoso tentado fazê-la pegar. Percebe a tocaia e me flagra no momento da cusparada. Buzinas. Dá um jeito de sair o mais rápido dali, agora com a viseira do capacete fechada.

domingo, 9 de setembro de 2007

Ronaldinho

Ronaldinho embalando o nenê.
- É um novo filho, Ronaldinho? Um novo filho, que vem por aí, Ronaldinho?
- Nah, que é isso, esse gol é pro meu único filho. Eu fiz um gol pra ele no Barcelona e faltava então agora não mais um pra ele com a canarinho, né, então foi por isso. Tá, beleza.
- Ahm, mas, Ronaldinho...
- Golaço, né? De prima.
- Ah, oh, sim, sim, claro, Ronaldinho. Golaço, muito bonito. Mas hein, viu, Ronaldinho, teu filho já tem 7 anos, cara, como que tu vai homenagear um rapaz dessa idade com um embala nenê? Tá doido, Ronaldinho.
- Pô cara, sê acha? Eu nunca tinha pensado nisso.
- Pois é, Ronaldinho, e essa é só uma ponta do iceberg.
- Hmm. Falou, abaço.

O mundo dos fatos

Cansado de ver a nossa brasileira maior nadadora cair no chão e estrebuchar-se por debaixo do maiô preto que, além do deslize adequado água’d’entro, dava-lhe também a aparência de uma baleia, não tive forças para trocar o canal. Portanto, acompanhei do início ao fim a triste e desnecessária matéria do Esporte Espetacular sobre as especulações acerca do mal que acometeu Rebeca Gusmão.
Em 99 Rebeca diz “...se for esse o preço a pagar pra vencer uma olimpíada, estou disposta.”. Depois revela-se um “Tenho que ficar forte, cada vez mais forte. E se for esse o preço a pagar pra vencer uma olimpíada, estou disposta.”. A primeira versão, a oficial, sua e de sua equipe, apoia-se no sanduíche estragado, comido no dia anterior. Um médico falou da asma da atleta. Imagem de uma reportagem antiga: dia de sol, treino, ela sai da piscina e a câmera avança em sua direção. Ela, rápido, pega uma toalha e cobre o corpo. A câmera estranha, rindo, ela ri, deixa o braço esquerdo de fora. Força o bíceps e agiganta a tatuagem: DEDICAÇÃO.
As maçãs de seu rosto são cobertas por espinhas que avançam até a entrada lateral da testa – a toca esconde o couro cabeloudo. Plongée acusador. Alguns meio minutos antes da prova. Explica-se para os microfones, a sobrancelha direita vivamorta. Venceu a corrida, cinquenta borboleta.
1,78 de altura, 82 quilos na tv, 72 no site oficial. Vou mais na primeira.
Imaginei: “Vocês não deviam ter mostrado tantas vezes minha convulsão. Foi triste passar por aquilo, e vocês trataram tudo como grotescamente sensacional, sem o menor respeito. Filhos da puta.”.
“Ora, garota boleta, um pouco de moral temos de ter nesse país. Tua tragédia foi gloriosa para a causa anti-drogas.”.
“Caretas filhos da puta.”.
A reportagem pegou o caminho da asma. Sujeitos assim doentes necessitam de acompanhamento rigoroso. “Mas isso não é motivo para alarma! A asma não é o suficiente para impedir o cidadão de se tornar um ATLETA DE ALTO RENDIMENTO. O baixinho Romário e o pentacampeão Marcos são dois exemplos.”. Ela, o terceiro.

Caution

Atenção, camarada, fica de olho. Esquiadores, do leste europeu, infiltrados no latino-americano.
Hmm, sim, senhor. Ontem vi alguns mexicanos com traços asiáticos. Possuíam todos, é claro, o inconfundível bigodón, e por isso pouco me chamaram a atençón.
Sim, sim. Asiáticos, não, leste europeu. Leste europeu. Não viu nenhum leste europeu?
Eu... não sei. Tanta coisa acontece nesse hotel, tanta gente passa, tenho muitas malas para calegar. Se tivessem me dito algoguma coisa pelo menos, mas não, daí sim, de que jeito? Não tem como, se me dizem tudo bem, eu fico no bico, mas chegar assim, do nada, e querendo ainda que eu tivesse visto? Psss.
Ahmm. Certo. Mas agora então, já tá sabendo.
Agora que o senhor diz... bem, tem uma coisa que me chamou atenção, uma coisa que, imagino, interesse o senhor, o homem a lidar com os mistérios e dilemas do mundo moderno.
Sim, sim, estás correto. Todo traço, restro, troço de estranheza e confusão insegural é material de meu trabalho, rapazz.
Ok... É que... Senhor!
Diga logo.
A delegação boliviana.
Sim.
A delegação boliviana... Bem, eu, ahm...
Fale, homem.
Senhor, eu estou muito confuso... Mas acho que... Ai, deus...
Hrmff.
Senhor, são finlandeses! Finlandeses, na delegação boliviana. Pintam o rosto. Passam massa no nariz e tudo. Eu vi! Ontem. De manhã, no... café. Antes do... café.
Hrrmmff. Certo, certo. E onde eles estão?
Nono andar, senhor.
Hrmmm, o mesmo das suecas.
Sim, sim, senhor.
Hrmmffm. Adiós, marujo.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Carlo Ginzburg estava lá

Carlo Ginzburg estava lá. Ele e seu tradutor. Um espetáculo estético e histórico. O grandíssimo na dentistolândia, um homem da cor de vermelho. A seu lado, o tradutor, filho da excelente presidente, um faustinho agauchado dos tempos de perdidos na noite. O homem lia o texto em inglês, ele tinha em mãos o texto em inglês. A pior noite de sua vida. Nervoso, cometeu muitos erros. O fatal: ainda no início, após mirar a platéia, atirou olhando os caderotes: “Ai, eu não vou pedir pra eles pararem, eles que se eduquem e façam silêncio.”. A vaia chacoalhou o próprio estádio, que chegou a trocar de lugar, quinze cenímetros para lá. O tradutor estremeceu. Balançou a bancadinha de vidro e quase derrubou o velho guinza, concentrado num carteado online.

Na tv, agora, um negote componente de mesa-de-debates clama por justiça e processos contra flanelinhas e esmoladores em gerau.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Jornalisca

Hoje, sim. Meu caderno em carne viva e a fonte 7. Mundo cagão, quê geração: Bibliotecários associados a fotos de gatinhos no pc. Passo três vezes pelo alemão conocido, em todas vira a cara. Trombamos na porta do banheiro. Eu: “Opa, e daí cara.”.
- E daí cara é o caralho.
- O que é isso, cara?
- Ah, vai se foder, porquê não me cumprimentou antes na frente dos meus colegas?

À margem da alimentícea praça, amboss escritoress. Um terceiro, à margem, se aproxima, esbaforido - também pudera, a tarde inteira estivera enterrtendo crianças.
- E daí, galã?
O primeiro escritor levanta e cumprimentam-se, conversam sobre hotelices. Logo o novo segue embora sem deixar de torcer o pescoço e sentir nó na garganta e o engasgo amargo ao ver seu melhor amigo, seu único amigo, o escritor um, sentar-se olhando para o companheiro de mesa, rindo e quem sabe até fazendo uma piada, uma piada sobre seu cabelo.

O segundo escritor fuma. O primeiro toma uma coca. São assediados e tudo o mais. Quando saem, não demora até que rapinem as mesa e cadeiras encarnadas de vermelho. Mas não foi o suficiente para passofundo se livrar de sua existência. Olho treinado, a faxineira avança sobre as britas. Cata o anel da latinha e a bituca do cigarro. Manda pra dentro do saco preto e acaba com a arqueologia mondial.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Jornadolete

Já começo dando ENTER com o mingo. Enquanto aguardo, fecho a jaqueta, um rambo informatizado. Fonte sete, e se o vermelho diagonalmente atrás enxergar, terá feito para merecer a recompensa pelo esforço visual. No banheiro um rapaz quica uma bolinha de papel higiênico semi-úmido no cabelo, a seu lado um outro pouca coisa mais velho limpa o nariz com um bigode de papel higiênico longo como ele da cabeça aos pés, a cauda deitada no chão, sinuosa. No palco, o tradutor polonês fez que era consigo e respondeu as perguntas por si próprio – baseado na malemolência tropical, criou um belo personagem. Estudantes de dança polonesa escreveram um furioso bilhetinho acusando a manepolação. Do palco veio o discurso condenatório: poloneses cristãos! Isso. A morena recitou DE CABEÇA versos que arrancaram furiosos aplausos. Na platéia, uma guerra entre estudantes e professoras. Milton disse nunca pratiquei incesto, embora admitisse já ter talvez sido possível considerá-lo, veja só. As plausas mediam o concordamento, espetáculo que era, muito de intriga e conspiração, euforia e desprezo. No vazio que separa as costas de um e outro prédios upeéficos, a grama é mais pura e as árvores, mais vivas. Dois Outsiders Nordestinos sentaram no tronco de uma dessas árvores e batendo as mãos no joelho repetiram por um quarto de tempo o mesmo verso que não se ouvia de onde eu estava. Um guardinhass chamou-os “O quê estão fazendo aí, rapazes? Vamos, dêem o fora!”.
- Mas o que é isso, seu guardinhass, qual o problema em a gente ficar aqui?
- Não vejo isso com bons olhos. E além disso vocês estão atrapalhando o sinal da antena.
E ontem passei por um passarinho com o peito branco aberto ao sol, assim morto deitado no alto de um morrinho. O silêncio se quebrou por um pequeno galho partido. Olhei para trás e descobri um outro passarinho, esse marrom e um pouco inchado. Levantou vôo e conseguiu fugir. Hoje, quando no ônibus, vi um cavalo com o corpo jogado no meio de um campo, morto possivelmente assassinado. Juntando isso com a lembrança dos macacos... Não, melhor nem pensar.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Dass Jornadaa

De volta à passofundo, de volta à sala de computadores, novamente escrevendo em fonte 6, alheio aos alheios olhos olheios.
Um rapaz no banheiro parece um polvo tirando papel higiênico para secar a cara.De quê me importam as vaias para os magníficos, bom foi o café na faixa e a atendente vidrada no vazio, sete horas da noite, a boca seca enraizada num sorriso grudado de inabalável. Toma café, pra güentar em pé. No circo, os reservados da frente suspiram silenciosos vendo os tristes e esforçados palhaços. Na sala de computador, entra abalado um gordote. Vai no primeiro computador da fila da frente e, vendo-o poblemático, olha bem na cara de cada um de nós três e com a mão na cintura diz: "Ah, ta loco, é todo dia, dia sim, dia não!". Na aula da manhã tive contato com um pequeno pedaço do novo quitute do movimento artístico mundial: a inverticalização da relação autor-leitor. Na ruazinha do bosquinho da upf aconteceram coisas estranhas que fizeram com que todos os carpinteiros e pinteiros e pedreiros e varredores e lixeiros e guardinhass se amontoassem num muito pequeno para tanta gente terreninho bem iluminado e perto da movimentação das pessoas e carros. Cada qual com sua ferramenta, tinham pás, brocas, machados, alicerces, arames enfarpados e tonéis de contenção. Passei por alguns deles e encontrei em todos e em cada um o quê de pior a bravura, a coragem e o (porquê não?) amor à liberdade produziram em espécime humano. Há alguns poucos metros distante, no início da mui pequena descida asfáltica até a ruazinha propriamente dita, me assombrou sobremaneira o comportamento estranho de um homem que a cada passo que dava se agachava, passava os dedos no chão e lambia, não, não, não lambia. Nem olhava. Mais atrás um baixote com uma arredondada e frontal entrada carecal cercada por longas melenas me olhava inquieto – a barba grossa e os cílios cabeludos tentavam mas não conseguiam esconder o olhar amendrontado e a boca que muito, muito baixo deixava escapar um "puta merda caaara... ta vindo um caaara..." . O primeiro homem pegou um celular do bolso e começou a falar nele olhando para o alto. O baixinho se virou pra trás e só então notei a VÃ robusta e brancorosa que muito silenciosa se mantia ali atrás do sujeito. As portas laterais abertas, compartilhava com o mundo o seu interior. Dentro, pequenas caminhas, 7 ou 8 pequenas caminhas de macaco. Num canto, recipientes contendo bananas, cuzcuz e javali ao molho madeira, "cara". As colchas e os travesseiros, todos estampados com uma mesma imagem, a imagem de um antigo e esquecido herói primata: Macaco Lilico.

sábado, 25 de agosto de 2007

Uns têm amigos,

outros têm papagaio.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Recorde de Galopeira

Começou com a disposição e a confiança que já havia se acostumado a encontrar nesses momentos. Se tornara mecânica a reação de seu corpo à esse estímulo: a boca cada vez mais aberta, as cordas vocais vibrando robustas e desbravatas. “Galo...” e toma ar pra encher bem o pulmão – ambos – “pppp...” toda a força do universo, toda a força do universo “eeeeeeeeeeeee...” e aí em diante pelos próximos três, quatro minutos, “...eeeeeeeeee...” em frente, em frente, tem gás, tem gás pra mais “...eeeeeeee...” c’mon man, c’mon “...eeeeeee...” e “...eee...” e “...eee...” e “...eeeira!”. Quase engole os lábios recuperando o ar para “Nunca mais te esquecereeeei!” bem do sorridente.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Isso tudo é balaca

Odeio balaca, disse Ramón a si mesmo, estilo mental, em resposta ao dedo exótico que agora já lhe roçava a bochecha e que dentro em breve lhe afundaria a pele macia até o contato íntimo com os molares. Seria aquele o momento exato para o início da bem-calculada reação. Inerte, via o movimento progressivo consumar-se. O buraco aumentava num ritmo cada vez mais acelerado e intenso, assim como o orgulho e satisfação do Porco Baloarte por essa demonstração de força e destemor perante tantos pessoas e tantas gatchinhas. O olho chegava a brilhar e a boca tremia nos cantos, nervosa. Não esperava nada de mim, o vagabundo, que dirá agora que me vê assim inofensivo, parado e visivelmente calmo com meio dedo gordo enfiado na cara. O dedo continuava trajetando, agora já sob a velocidade da despedida. Antevendo a proximidade do final, deixava para trás o êxtase em seu apogeu e assumia pouco a pouco o ar de enfado que a ausência da atividade física lhe impunha. A mente vazia ecoava frases de efeitos – concentrado, tinha dificuldades em captar uma num tal tão ambiente espaçoso e vazio, e era essa sua principal preocupação, já que no durante o espetáculo tudo ocorreu mais bem que o possível, o que devia alarmar-lhe. Eu olhava tudo numa câmara lenta do diabo: as bocas alheias, os olhos, os cabelos, o som, a luz, todo o ao redor pra sempre gravado num minúsculo movimento de cabeça. Ele continuava ali, cara gorda vermelha. O dedo na bochecha, quase lá. Abriu a boca – a baba que esticou-se de um lábio a outro não foi suficiente para mantê-lo de boca fechada, se bem que se nunca desgraçadamente o fora, não era de se esperar que agora o seria. Foi no exato momento em que a boca atingiu a máxima angulação que seu dedo tocou seu limite e foi por essa atitude amaldiçoado. PÁ! Ele não esperava aquilo. Aproveitei a tonteada e entortei o nariz do puto que, bendito seja, espirrou sangue enranharado pra tudo quanto foi lado (banhando umas meninas que estavam perto, me inundando de orgulho e satisfação). Tapou o nariz com uma mão, mas aí já tava dado o abraço. Chute no saco e cadeirada na nuca. Já eras, já eras.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Acrópode

Não, não, não, cara, não é isso.
E o que é então?
Não, não, cara, não é bem por aí.
Como que é então?
O negócio é muito maior do que tu consegue pensar.
E como é então? Diz como é.
Cara, é que na real, bem na real, vocês tem uma cabeça de penico.

Minha senhoura

Minha senhoura, seu marido é um dos maiores contrabandistas de jóias do mundo.

Ah, não brinca.

Árvore de roupa suja

não tem raiz.

domingo, 19 de agosto de 2007

Wander, desculpe-me.

Wander, desculpe-me. Aquele negócio que tu ia fazer e eu te convenci a desistir seria um sucesso. Com um equipamento daqueles tu poderia fazer uma parceria de muitos anos com a universidade. Talvez para até o fim dos dias, mesmo que com o setor de museologia. Além de que o empréstimo que tu faria com o teu amigo provavelmente nunca seria pago. Te disse aquilo achando que talvez tu pudesse investir num neg... Não, não. Na verdade me foi impossível acreditar que um tal tão desgraçado como tu poderia algum dia ter uma boa idéia capaz de salvar tu, tua mulher, teu filhinho e o que está por vir. Errei, erramos. Abraço.

ttt

Quem?
É.
Ah, opa.
(...)
Quanto tempo.
Nem te ouvi bater. Tamém, bateu fraquinho.
Nem me fale, fiquei ali, debaixo da chuva.
Tamém, bateu fraquinho.
Eu sou fraquinha.
A chuva.
Tamém.
Seca.
Aqui.
Tamém.

Um papel porco

Um papel pisado no chão.
Um papel torto esmagado.
Ele, sempre ele, meu
ATESTADO DE MATRÍCULA

No asfalto o faminto cão

come os zóio de gato.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

domingo, 5 de agosto de 2007

sábado, 4 de agosto de 2007

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Pedestre

O Pedante e seu pedantismo pedante.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

terça-feira, 31 de julho de 2007

Quem me vê no mercado andando de um lado para o outro PENSA

Quem me vê no mercado andando de um lado para o outro pensa: esse rapaz tem conflitos internos.

Mas ó guri

Mas ó guri. E esse saco de gelo aí?
Ah, hahaha. É, olha só, cara: fui comprar uma fôrma de gelo. Comprar só por comprar, pra ter em casa, sabe. Daí cheguei lá, fui ver, 2 pila. Uma fôrminha pequena, de gelinho pequeno, uma merda. Daí fui ver um saco de gelo. E olha só, um sacão desse tamanho, dois e cinqüenta. E olha o tamanho. Daí pensei: porra, eu não tenho a necessidade de ser o proprietário de uma fôrma de gelo. Ainda mais de uma vagabunda daquelas. E olha só o tamanho do saco.
Grandão mesmo.
Pois é, tem gelo pra um monte de tempo. Pra um monte de dose, hehe.
Hãn?
Nada, nada. Mas viu...
Ahn?
Ahm... É, pois é, daí que bah... tá loco...
...
Ah, sim, sim! Viu, daí comprei o sacão e comecei a pensar no que tinha feito e a cada nova pensada tinha mais certeza do meu acerto. E ó, tá vendo essa outra sacola?
Aham.
Pois é, eu fui no mercado também pra comprar um copo, porque só tenho uma xícara, que a minha mãe me deu, chave, ruim de beber e tal – mas viu...
Hãn?
É... Ahm, sim, sim, daí ia comprar um copo, fui ver, 6 pila. Copinho de vidro e tal, metido a transparente e papapa. Daí do lado, bem do lado, um saco de copo, com cem, quatro e noventa. De plástico, mas daquele semi-transparente, durinho e coisa e tal. Quatro e noventa, cem. Daí tá loco né, vai dizer.
É, é...
Hehe.
...
...
Mas que taal esse guri, índio véio pensador.
Hehehe, pois é, pois é.
Eu achei que tu ia beber e por isso tinha comprado.
Nah, nah, capaz. Viu, vou ali. Tenho que fazer umas cicauterizações.
Tá, tá, até mais, abraço.


Grande sujeito esse ciumento de sua bebida.

Que é isso

Que é isso?
Pô cara, batemo, batemo, mas tu não abriu.
Eu to com o fone de ouvido, não tava escutando.
A gente viu.
É, pela janela do João Nei.
E não perceberam que eu tava ocupado e não queria papo? Podem ir arrumando a porta e caindo fora.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Comprei uma garrafa de vinho

Comprei uma garrafa de vinho para beber sentado na calçada. Uma companhia a pecar pelo silêncio e agradar pela prudência.
Saía quando encontrei um milico de origem alemã também pensionado. Antes que pudesse pensar no que seria mais adequado ou conveniente, vi-me convidando-o para beber junto, ali na frente, sentado na calçada. Ele disse que não, que teria de servir na manhã seguinte, mas a risada que deu apresentou o embaraço por ir tão contra sua real vontade em nome de um subproduto de educação cavalheiresca que nunca teve. Deixei dito que estaria ali e dei-lhe as costas, caminhando em direção à porta. Não tinha ainda completado o percurso quando ouvi-o dizer “Ah, mas eu vou, sim”.
De largada dei um grande gole. Passei a garrafa e ele bebeu na mesma proporção. Ladainhava planos de futuro miseráveis e ambiciosamente mesquinhos. Dizia estar planejando sair da pensão e ir morar com um amigo que há tempos o convidava para dividir um apartamento. Agora ia. Agora ia mesmo. “Mulher não gosta de quem mora em pensão”, disse, “ainda mais uma tão feia como a minha”. O problema, o grande problema, era o contrato de meio ano que havia assinado dois meses atrás. Balancei a cabeça afirmativamente e bebi mais um pouco. Estendi a garrafa e ele fez o mesmo. Eu olhava os prédios ao redor, ele, o chão.
O silêncio foi quebrado pela chegada de outro alemão da pensão. Olhei a garrafa instintivamente. Estava pela metade. Tomei uma grande talagada e passei ao recém-chegado. Ele bebeu, sentou-se ao meu lado e devolveu-a. Mais um gole e coloquei-a no chão, ao alcance de todos.
Os dois eram da mesma cidade. Falavam de conhecidos: Heller, Karls, Hansen... Eu brincava com a rolha. Descascava-a com a unha. No início atirava os pedaços na rua, mas logo passei a apenas deixá-los cair por entre os joelhos. Em meu distanciamento a conversa tomou contornos financeiros. O novo alemão contava que conhecia o homem mais rico da cidade, um bicheiro que lhe tinha em muita estima, tanta estima que era capaz de naquele momento ir até ali e lhe dar uma carona, caso lhe fosse esse favor necessário. Dizia ser um homem de 40 anos que mal conseguia falar, tamanha sua degradação em conseqüência do fumo e do álcool. “Eu digo pra ele: ‘Tchê, tu vai morrer’, e ele responde, rindo: ‘Vou, mas vou feliz’”. Eles riram, eu também ri, mecanicamente, concentrado na rolha, triste pela ausência de um canivete – o meu havia sido preso. Imaginava que talvez pudesse fazer uma escultura. Com a unha era muito difícil dar qualquer forma à ela. Só conseguia consumi-la e consumi-la sem nenhum outro propósito.
Mais uma rodada de vinho e o alemão contou do dono de posto gasolina que tinha uma renda bruta de um milhão por dia, depois, de quando trabalhava numa tenda de produtos coloniais à beira da estrada, do revólver que possuía, do homem que perguntou se ele não tinha medo de ficar ali sozinho – “peguei o revólver, coloquei em cima da mesa apontado pra ele e disse que quem tinha um daqueles não tinha medo de nada, haha. Já mudou de assunto na hora” -, do plano dele e do dono da tenda de montar um puteiro pra caminhoneiros e roubar o estepe deles, e mais uma ou duas verdades.
A rolha era metade do que fôra, e me assustou a quantia de fragmentos espalhados pelo chão cobrindo as canaletas dos ladrilhos gastos da calçada. Do vinho muito menos restava. Fiz descer um pouco pela garganta e passei adiante a sobra, disputada por ambos entre tapas e risos. Minha unha doía e deixei de importunar a rolha. Ficamos mais algum tempo sentados, esperando o alemão terminar de explicar seu sonho, seu sonho de montar um bar na cidade em que nasceu. Um bar temático, com capacidade para três mil pessoas. Um galpão desativado há tanto tempo que ninguém mais lembrava o que ali funcionara um dia seria o local. Bar do Pirata seria o nome. Garçons, garçonetes, músicos, djs, todos vestidos a rigor. Perguntei se existia público na cidade para um lugar tão grande e ele respondeu rindo da pergunta.
Com a bebida e a stória acabadas, o milico levantou dizendo que ia dormir, no que foi acompanhado pelo outro. Eu fiquei, sentado, olhando os carros e sendo olhado. Encaixei a rolha na boca da garrafa e virei-a. As últimas gotas do vinho escaparam da prisão de vidro através de uma deformidade da rolha e caíram banhando os pedacinhos no chão. Destampei a garrafa e tentei encontrar mais, mas agora estava tudo acabado. No chão, as gotas de vinho começavam a secar, exalando um último perfume em meio à mesma noite que de novo se acabava.

domingo, 22 de julho de 2007

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Morreu queimado salvando os colegas

Depois conversam os que ficaram.

Se foi o Borginho.
Um herói, um herói.


Como pôde... Logo ele...
A pior pessoa do mundo.
Que é isso, nem tanto.
Todos os traumas que eu tenho foram causados por ele.
Que é isso...
Ninguém nunca gostou dele. Também, só o que fazia era torturar a todos com suas brincadeiras sem noção.
Na hora que a gente precisou foi ele que se torrou abraçado numa porta.
Sim, finalmente fez alguma coisa boa.
Talvez tivesse isso em mente o tempo todo.
Duvido.
Eu acho. Cada merda que fez deu mais coragem para o sacrifício. O pagamento de uma dívida acumulada durante nossos desgraçados anos de convívio.
Desde quando?
Não sei, a primeira série, eu acho.
Não, desde antes. Ele sempre morou aqui na rua.
Desde a primeira vez que nossas mães reuniram a gente pra brincar.
Eu lembro dele. Carequinha, mordendo todo mundo.
E enfiando o dedo nos olhos.
Um monstrinho desleal.
Virou churrasquinho.
A vida vai ser muito boa sem ele.
Já podemos voltar a fazer acampamentos.
E jogar futebol.
E beber.
E sair de casa.
Grande Borginho.
Um brinde.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

quarta-feira, 11 de julho de 2007

As Modalidades do Pan Um

NADO SINCRONIZADO


Braços
Coreógrafo Baboo Baboo.

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Pernas
Coreógrafa, diretora de criação e revisora Jade Snipaff.
Ela, a velha conhecida Jade Snipaff.

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o o

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domingo, 8 de julho de 2007

Parece mentira mas não é.

Parece mentira mas não é.
Uma reality show brasileiro com nome inglês acompanhando os 40 dias de Karina Bacchi e Eliane filha da garota de ipanema coroua num pequeno sítio do vilarejo chamado ANALândia.
No cú do mundo.
E na record, à uma de domingo.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Da Tribo dos Calcinus laevimanus


O bernardo-eremita, também chamado de paguro ou casa-alugada , é um crustáceo decápode parente das lagostas e caranguejos. As várias espécies compreendem a subordem Anomura. São astutos, e por isso se protegem morando em conchas de caracóis abandonadas. Eles próprios abandonam essas conchas e pegam outras quando ficam muito grandes para elas. Alguns bernardos-eremitas levam anêmonas em suas conchas e as protegem, já que seus tentáculos são venenosos. Não demora muito, porém, a anêmona é deixada para trás quando se reinicia a jornada solitária mar adentro do bernardo-eremita. Após cruzar grandes distâncias, ele se hospeda em uma nova comunidade subaquática, onde repousa por algum tempo, se envolvendo com outra anêmona até o momento da partida e etc. As muitas caminhadas que empreende desacompanhado dão ao bernardo-eremita um aspecto bastante reflexivo e introvertido, o que acaba fazendo com que as outras espécies marinhas o considerem um pequeno ancião quando novo e um antigo ancião quando velho - alguns o consideram vago e desconexo (geralmente os tubarões), e tentam devorá-lo. Só tentam, já que o bernardo-eremita é CASCA.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Não parecia tão idiota

Não parecia tão idiota deixar o isqueiro sobre o microondas.
Era.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Um poderoso e intrigante pensamento

Em certos momentos muito repentinos um poderoso e intrigante pensamento se apossa da minha consciência: não posso desabar. Como se ali, agora, eu estivesse prestes a desmoronar sem motivo aparente. Isso acontece normalmente nas filas do caixa do supermercado. Em meio ao silêncio e à contemplação do vazio sinto um horror crescente, e aí evito a todo custo os pensamentos conseqüentes: gritar, bater, chorar descontroladamente. Chacoalho a cabeça, respiro fundo e alongo o corpo. Sensações físicas que me despertam do transe desagradável. Mas a fila não anda, e logo, sem perceber sua aproximação, sinto o impacto: não posso desabar. Não aqui, não agora. Atrás, algumas pessoas conversam a mesma conversa de sempre. Eu, não. Não posso desabar. Sigo firme, uma força de vontade espantosa: não posso desabar, não vou desabar.
O boa tarde é respondido com um boua. Respiro fundo, fecho os olhos e inclino a cabeça. Aaaah.
Saio com as sacolas na mão caminhando devagar. Esse foi desde o princípio o único objetivo dessa saída, caminhar, devagar, respirando e me desintoxicando do cheiro de guardado. Olhando o tumulto com desconsideração, vejo uma mulher pegar outra pelo braço. Ela me olha por detrás dos óculos escuros. Passo o olhar e já miro em outra direção, tentando lembrar de onde vem a familiaridade com aquela desconhecida. Não demoro a encontrar a resposta. É amiga da moça da agência de modelos que havia emprestado a sacada do seu estabelecimento para a gravação de um filme meu há umas semanas atrás. Quando fiz o pedido, havia prometido passar lá na semana seguinte agradecer formalmente e falar sobre os resultados e etc. Nunca mais dei as caras. Segui meu caminho para casa sem olhar para trás.
Atravessando a praça acompanhei com prazer a dança das pernas de uma cadeira de rodinhas nova, ainda emplastificada, que ia sendo levada por um senhor. Era um homem pequeno, imagino que já dentro da turma dos sexagenários. Empurrava a cadeira e a fazia rodar. As pernas giravam como um carrossel, porém trocando o sentido da rotação de tempos em tempos. Acompanhei seu progresso enquanto a sombra e o vento me atormentavam. Assim que encontrei o sol, todos os que passavam foram abandonados em nome da admiração ao calor.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Mortomi entrou no Buldoggs Inn

Mortomi entrou no Buldoggs Inn e pegou o ombro do primeiro desgraçado que viu sentado no balcão. Era o único, estávamos fechando. Não era a primeira vez que assistia àquilo. Na verdade a mesma cena esteve se repetindo pelo dia todo, uma sessão após a outra. Com quinze minutos de intervalo.
- Que história é essa de não gostar de festa à fantasia, caaara?, perguntou Mortomi ao homem com os cotovelos no balcão, uma mão segurando um grande copo jávazio.
As mesmas palavras. Para todos, com todos.
Mais um. Messtre.
Como sempre antes o homem virou-se rindo, a cara vermelha e os olhos apertados. Bem assim, e ele disse:
- É cara, sei lá cara, uma vez gostava, agora já acho meio CHAVOROSO.

Vou fechar o bar, este é o último da noite.

Tenho que me livrar dessa mulher

Tudo muito engraçado, sempre. Até a música da tevê inspirava a leveza do humor e o riso entrecortado pela respiração e a tremedeira. Fazia um frio do cão e jogavam golfe. Um torneio em Ashton Ville. Disputa do cordão real. Briga de cachorro grande. Dinamarquesas haviam sido contratadas e aplaudiam ao final de cada tacada.
Longe dali, dúzias de casais reunidos numa grande praça lutavam para bater o recorde de mais longo beijo. Recorde mundial e tal e tal. Já estavam no quinto dia; apenas dois casais permaneciam em pé. A moça tira a boca do rapaz e diz:
- Cuzcuz?
Ele responde:
- Sim, no carnaval, não lembra? Um pratinho.
À oeste, um antigo estacionamento era o palco para milhares de milhares de pessoas baterem o recorde de maior beijo coletivo da história. O cantor que fazia o show pré-recorde iniciou a contagem regressiva. “Trêsdoisum e já!”. Havia um total de dois homens a mais que mulheres no local. Os dois rapazes que sobraram se encontraram quando estavam todos a se beijar. Olharam um no outro e o primeiro disse:
- Que merda, hein.
O outro:
- Pódecrer, caralho.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Nunca tinha visto uma lua daquele tamanho

A fome não cessa. Não encontro tempo entre um e outro cachorro-quente. Não termino um e já ouço a sinetinha avisar que há um novo pedido. Putaquepariu. Já nem olho pra cara desses putos. Entrego o cachorro com uma mão enquanto a outra busca o novo pedido. Leio o rascunho por cima e já sei do que se trata. Duvido que alguém de fora conseguisse entender os borrões de caneta. Eu consigo, eu entendo. Um borrão é ervilha, um outro rabisco é salsa. Mas também, é impossível não estar familiarizado convivendo com isso há tanto tempo. Minha única distração é tentar adivinhar o que virá a seguir. “Ah, esse vai ser completo! Putz, o cara não quer queijinho...”. No início do expediente até tento traçar um paralelo entre a fisionomia do sujeito e o pedido, mas nunca acerto. Tenho para mim a certeza de que esse paralelo não existe, mas mesmo assim não deixo de fantasiar. Uma pequena brincadeira, pra relaxar e descontrair. Isso no início do expediente, é claro. Agora nada disso rola. Porra meu, onze e meia da noite e eu ainda aqui, pão pão pão, salsicha, molho, milho, tomate, alface, cebola, queijo, catchup, mostarda e maionese. Ah, maionese. Os caras sempre pedem com molho, mas nosso molho é a água que ferve a salsicha, então caprichamos na maionese. Se for pensar proporcionalmente, o verdadeiro molho do cachorro É a maionese. Claro que sempre que a gente coloca a salsicha no pão a gente manda ver umas colheradas de água, mas é pura formalidade. Eu aprovo essa política. Prefiro mesmo apertar o tubo e formar um jato de maionese do que ficar naquela de “colheradinha, colheradinha, colheradinha. colheradinha, colheradinha, colheradinha.”. Na verdade todos aprovam. Dá pra dar uma descarregada na tensão à base do vaaaaaaaai maionese do caralho até ouvir ela dar aquele arrotinho final. Ô beleza. É o que salva a sanidade de um indivíduo nessas condições. Onze e meia da noite porra. Domingo, porra. Domingo. Domingo é foda. Domingo é sempre foda. Abrimos mais cedo pra pegar o movimento do pessoalzinho dando uma passeada com os filhotes. Tudo muito bom, tudo muito bem, filhinho, quer um cachorrinho? Ah, vai pra puta! É foda, é foda. No início do expediente não dá nada, o problema é agora. Na real o problema inicia quando os primeiros ingredientes começam a terminar. O cara fica naquela função e vai vendo tudo diminuir, diminuir, diminuir até vir o zé ruela repôr o estoque. Meu amigo, esse momento é foda. É uma sensação de infinitude insuportável. Parece que nunca vai acabar, que todo o esforço é em vão, já que por mais que eu trabalhe nunca consigo dar conta de tanto pão e salsicha que os caras tiram sei lá de onde. Quando acabo com tudo, vem alguém e renova o desafio. Isso é loucura. Loucura sem limites. Assim como a fome. A fome não cessa. A fome nunca cessa.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Pensamento Insano de uma Mente Atormentada

Pensamento insano de uma mente atormentada, soará aos ouvidos mais alarmados. Bobagem, bobagem. Todo grande final merece e exige um sacrifício em carne. Um evento magnífico, marco de poderosas raízes, uma clara e obstinada ruptura e um ansioso e convicto novo começo.
Estava de ressaca, mas mesmo assim acordei no horário marcado: meio-dia. Demorei lavando o rosto. A barba estava grande e muitos fios se escapavam do entrelaçamento, despontando solitários rumo ao além. Torres capilares em superfície de cara.
Coloquei uma calça velha e anatomicamente rasgada e não mudei o moletom com o qual havia dormido; botei um confiável tênis de couro branco. Peguei o cartão do banco e saí.
Quando abri a porta o sol pareceu se mostrar especialmente inclinado em minha direção. Dei um primeiro passo na calçada e já no seguinte dei no meio de um alemão que vinha exatamente no sentido oposto. Ele era um pouco menor mas vinha numa velocidade maior. O resultado foi que nenhum dos dois retrocedeu com o choque. Batemo-nos na altura do peito e a inércia nos juntou as testas. Aos poucos fui enxergando melhor e recuperando o fôlego perdido com o impacto, mas antes que pudesse visualizar o sujeito com clareza, tapeamos as costas um do outro e nos despedimos.
Cheguei na esquina e esperei o sinal fechar para atravessar a rua. Ia no banco antes de qualquer coisa. Precisava de dinheiro para evitar qualquer problema. Tinha pensado em usar o cartão de crédito, mas ele corria um considerável risco de quebrar. Com cédula, o único risco que corria era o de ser incendiado. No ontem havia ligado para minha mãe. “mãe, me manda dinheiro que acho que amanhã vou embora”, “acha ou vem?”, “não sei, não sei”, “e se tu não sabe quem é que sabe?”.
O saque mais próximo era bastante longe. Quando finalmente cheguei ao prédio universitário, minhas axilas suavam. As mãos também. A boca ficou seca e os olhos lacrimejavam. Do nariz, escorria. O lugar estava apinhado de gente. Alunos em grupinhos monossexuais e professores carregando pastas caminhavam de um lado para o outro como se não tivessem outro objetivo na vida que não fosse caminhar para lá e para cá sem nunca chegar a lugar algum. Caminhar, sentido de existência.
Não havia fila. Peguei o cartão e passei o dinheiro pro bolso. Os passos estavam mais lentos. O epílogo lutava por sua sobrevivência. A cada longo e prestigioso passo, antigos esquecidos se tornavam novas lembranças. O que em alguns pressionaria à uma mudança de rumo, em mim só fez apreciar ainda mais aquele ritual. Os passos eram lentos, porém inabaláveis.
Ria, feliz. Esfregava uma mão na outra e algumas vezes levantava a cabeça para ver quem passava. Olhava em seus olhos, e só o que via era medo e estranhamento. Vi meus pés besuntados em dourado pouco antes de atravessar a grande porta. Ali fora, meu primeiro reflexo foi o de encarar o sol e mostrar a ele a cor de meus olhos.
Decidi a partir daquele ponto não fazer mais escolhas, escolhi ser carregado pelas cordas do destino. Que viesse quem tivesse que vir, que se apresentasse aquele escolhido a disputar comigo o mesmo ponto no tempo e no espaço. As dores seriam apenas decorrências passageiras de um momento único. Nada mais importava. Que acontecesse o que fôra decidido quando se decidia, eu havia abandonado toda noção de futuro. Estava morto, para o bem ou para o mal. O corpo seguiria no mesmo ritmo e na mesma direção. Um último pensamento quando os pés abandonaram a calçada e entraram no asfalto. Os olhos fecharam; as pernas continuaram.
O som da freada me despertou. Não abri os olhos, mas dei um pulinho. Foi o suficiente para me jogar no pára-brisas e me fazer rolar pelo capô até cair desengonçado no asfalto quente. Enchi os pulmões de ar, apalpei o pau e sucumbi à um breve riso enquanto uma senhora gorda corria apavorada em minha direção.