segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Do tempo em que eu saía de casa

Do tempo em que eu saía de casa e caminhava por horas com a estranha sensação de já ter dito ou ouvido isso antes.
Uma loja toda vazia, em reformas. Em frente à fachada de vidro, percorrendo toda sua extensão pelo lado da calçada, uma fila de desempregados, mulheres em sua maioria, baixas, altas, magras, gordas, bundudas, peitudas, feias como o cão, e um homem, um único, negro, alto, cabelo engelado, não por isso menos pichaco, um dos primeiros. Uma pequena folha colada no vidro anuncia: quatro vagas, requisito mínimo de três meses de experiência. É.
Sigo e paro num macdonalds, uma casquinha por favor, mista mesmo. Esperando, um garoto me cutuca o braço chamando o tio. Pede um níquel, pergunto se ele é bom em matemática – já o conheço da saída do supermercado -, ele ri, abobado, o menino, todo lambuzado. Cinco mais cinco, quanto é? Vinte. Não, não... Dez! Iiiisso, toma moedinha.
Sento num banco e luto contra o vento que em vão tenta descongelar o sorvete e me banhar a bermuda. Passa uma conhecida, ela e a amiga, os óculos escuros, ambas. Parece caminhar em minha direção, quando se aproxima ergo as sobrancelhas, arriscando um cumprimento, ela passa pelo meu lado, os olhos sabe-se-lá onde. Sinto o pingo gelado, bobeei. Tento limpar com o guardanapo mas só o que faço é espalhar e alargar a mancha. Termino o sorvete, me espreguiço, levanto.
Passo novamente em frente à fila do desemprego, agora mais mulheres, apenas mulheres. Uma alheia pára ao ver a fila, caminha até o anúncio, lê-o e entra na indiana. Caras feias para a concorrência, uma negra e uma loira pintada, as duas empeneuzadas. Abro um sorriso, elas se fecham. Pit-stop pra vocês.
Dentro do mercado, uma vontade súbita de morrer. As sacolas pesadas parecem não se satisfazer com o chão, querem me levar direto ao inferno. Passa um amigo, não vi, não quero conversar. Uma ventania levanta areia até meus olhos, eu coço, eu coço, mas continuo sem enxergar nada.

2 comentários:

Unknown disse...

Estava tudo muito bom, muito bonito, até...."vontade súbita de morrer". AAAHHH meu filho, ainda te MATO por esta MANIA.

Anônimo disse...

uau