segunda-feira, 2 de julho de 2007

Um poderoso e intrigante pensamento

Em certos momentos muito repentinos um poderoso e intrigante pensamento se apossa da minha consciência: não posso desabar. Como se ali, agora, eu estivesse prestes a desmoronar sem motivo aparente. Isso acontece normalmente nas filas do caixa do supermercado. Em meio ao silêncio e à contemplação do vazio sinto um horror crescente, e aí evito a todo custo os pensamentos conseqüentes: gritar, bater, chorar descontroladamente. Chacoalho a cabeça, respiro fundo e alongo o corpo. Sensações físicas que me despertam do transe desagradável. Mas a fila não anda, e logo, sem perceber sua aproximação, sinto o impacto: não posso desabar. Não aqui, não agora. Atrás, algumas pessoas conversam a mesma conversa de sempre. Eu, não. Não posso desabar. Sigo firme, uma força de vontade espantosa: não posso desabar, não vou desabar.
O boa tarde é respondido com um boua. Respiro fundo, fecho os olhos e inclino a cabeça. Aaaah.
Saio com as sacolas na mão caminhando devagar. Esse foi desde o princípio o único objetivo dessa saída, caminhar, devagar, respirando e me desintoxicando do cheiro de guardado. Olhando o tumulto com desconsideração, vejo uma mulher pegar outra pelo braço. Ela me olha por detrás dos óculos escuros. Passo o olhar e já miro em outra direção, tentando lembrar de onde vem a familiaridade com aquela desconhecida. Não demoro a encontrar a resposta. É amiga da moça da agência de modelos que havia emprestado a sacada do seu estabelecimento para a gravação de um filme meu há umas semanas atrás. Quando fiz o pedido, havia prometido passar lá na semana seguinte agradecer formalmente e falar sobre os resultados e etc. Nunca mais dei as caras. Segui meu caminho para casa sem olhar para trás.
Atravessando a praça acompanhei com prazer a dança das pernas de uma cadeira de rodinhas nova, ainda emplastificada, que ia sendo levada por um senhor. Era um homem pequeno, imagino que já dentro da turma dos sexagenários. Empurrava a cadeira e a fazia rodar. As pernas giravam como um carrossel, porém trocando o sentido da rotação de tempos em tempos. Acompanhei seu progresso enquanto a sombra e o vento me atormentavam. Assim que encontrei o sol, todos os que passavam foram abandonados em nome da admiração ao calor.

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