sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Documento 77

Saído, enfim, do reformatório.
Posto em liberdade, afinal.
Com a mochila às costas, caminha confiante até a primeira esquina.
Ali, após olhar para um e outro lado, fica indeciso.
Não sabe que lado tomar. Tem certeza que a tragédia se confirmará perante qualquer escolha - embora, em caráter de definitivo, saibamos, ainda que sorrateiramente, que o que move-o rumo à indefinível situação é o gozo que lhe assombra diante da dúvida e da definição.
Passou muito tempo rodeado de certezas; agora, encantava-se pela mínima decisão.
Ficou na esquina por horas.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Um documento 17

A jovem punk Wanda Maximoff ataca seu irmão Pietro e a Irmandade de Mutantes no apartamento em que vivem os rapazes desde que decidiram praticar atentados revolucionários em nome da causa mutante, conceito que não conseguem articular.
Perdrator, capaz de provocar abalos sísmicos, - nome verdadeiro: john yoshida -, invoca um terremoto contra a adversária. A fissura no chão engole a todos e ao próprio prédio, e seus tijolos e rebocos, sugados, ingeridos e digeridos pela lava, no cretino âmago de magma.

domingo, 18 de novembro de 2007

Documento 8

Mas e daí que dia desses fui visitar meu vô, meu querido vô Veron, e minha mãe me avisou, antes da visita, que ele estava velhinho, fraquinho e com a cuca meio fundidinha. Disse também que ele, sempre homem muito ativo, andava triste pela velhice. Disse ainda, também, finalmente, que ele ficaria muito feliz em me ver.

Sentei ao lado dele, que estava deitado.
Na televisão, um programa de jogos com palitinhos e prêmios em dinheiro.
Botei uma pilha e ele me deixou ligar.
Um jogo de perguntas e respostas. 6 acertos dão acesso ao jogo de palitinhos. A quinta pergunta é sobre o princípio da incerteza de Heisenber, a seguinte, desconhecida.
A primeira foi sobre a final da copa de 98.
Não ouvi um não que abria a frase e acabei respondendo ao contrário.
Caí na primeira fase.
Conto pro vô, ele não entende, entende outracoisa, acha graça, ri, eu rio.

Ele diz que sabia essa, sabia quem ganhou e sabia até o resultado. Sabia quem tinha marcado os gols e qual tinha sido o público. Sabia da bola na trave e das jogadas violentas. Sabia da torcida e do estádio, e de suas cadeiras de plástico, verdes, e da cerveja francesa, e da música da torcida, e das italianas, e, ah¹, lembrava da bahiana, com quem acabara uma noite dançando tango sob o arco do triunfo. Sabia e fazia questão de saber, de guardar para seus momentos finais suas grandes aventuras. Passava os dias absorto, navegando, buscando e trazendo as mais audazes e ardilosas lembranças, para que se despeçam agora que, exausto, meu vô preparava-se para descansar. Pode perguntar pra tua vó, ele disse, pergunta, ela vai te dizer, se num dia vem visita, no outro já nem lembro que esteve aqui. Pra quê que vou ocupar minha cabeça com isso? Abro mão do mundo de hoje e, em troca, consigo até sentir exalar o perfume do mediterrâneo nos portos de Alexandria.

Hmmm, massa, vô.
É, massa.
E amanhã então o senhor nem vai lembrar de mim?
Hmm, acho que não, talvez não. Quase certo.
Hmm, beleza. Viu vô, voindo então, vou tomar uma cachacinha com os rapazes.
Falou, jovem
PÓDESCRER, COROUA.

Clima de Stock Car

Hoje, penúltima etapa do campeonato, o filho do Galvão, Cacá, é o líder da temporada, como já o foi em outros anos em semelhantes circunstâncias que acabaram não resultando no troféu de grande campeão. Cacá já tem alguns anos de experiência sobre os outros pilotos. Começou perdendo para Xande Negrão e a velha geração e hoje perde para o garoto revelação. Esse ano, novamente chega à penúltima corrida podendo vencer o campeonato. Basta garantir o primeiro lugar - o que não imagina-se excepcional para o líder do campeonato. Porém, largará com uma grande desvantagem; envolvido num acidente, sai da décima sexta faixa de colocação.
Mas, bem, vamos à corrida.

Largou!

Não largou, bandeira amarela, não valeu.

Agora largou.

Ricardo, Duda, Fontes, Pizzonia são os quatro primeiros.

Cacá Buenao (vai assim mesmo, Buenao) atrás de Ingo Hoffman, outro lendário corouinha. Tá em 11°.

Fácil, fácil de bobear e achar que os carros são de brinquedo.

"Cacá Bueno já é noono a essa altura!" E diz que já assim é campeão.

A equipe de tv botou duas câmeras em carros.
Uma na traseira de Robsón Crusoé, que já na primeira curva, após batida e deslocamento de eixo, saiu da corrida, e outra no carro de tiago camilo, que vinha até esse momento merdeando em décimo-quarto e só abandonou esse comportamento apenas para entrar num companheiro quando este freou para fazer a curva. Tiago Camilo era o segundo colocado no campeonato. Tudo parece levar à grande vitória de Cacá, afinal.

Alex Dias, "o Boiadeiro", atacante do Vasco, aparece pra dar um alôu.
"E aí, Alex Dias, veio fazer uma forcinha pro Cacá?"
"Isso aí, vim aí, fazer uma forcinha pro Cacá. Heh."
"O Cacá que é tricolor roxo, Cléber!"

Hmmm, Cacá Buenao faz sinal para a câmera: quebrou alguma coisa.
"Pode ter sido a bomba da direção hidráulica", diz Reginaldo Leme.
"Foi a bomba da direção hidráulica", confirma o repórter.
"Nossa, Reginaldo, isso, do alto dos seus muitos anos aí de trabalho viu já só no olhar..."
"É, é, obrigado Cléber. Mas o bom disso é que dá pra terminar a corida assim. Não tem o conforto de antes, mas dá pra levar. Vai doer um pouco o braço, mas dá pra levar".
Pelo rádio, Cacá: "Ai gente, não dá pra levar.".
Nah, mentira.

Cacá perde posições e retorna à décima-primeira. Já não é mais campeão.

Cacá, com a direção hidráulica quebrada, passa três numa acelerada só.
Conhece uns truques, o juvenil.

Acidente.
"O pneu ficou muito sujo".
Os dois que disputavam a curva acabaram perdendo-a.
Não sei quem são, brigavam pela terceira ou quarta posição.

Captam o rádio do Rodrigo Sperafico:
"Passa mais um, passa mais um, menino."

Duda Pamplona dá um chega pra lá em Ricardo Sperafico e assume a pole.

"Temos ainda seis voltas, muito calor, há o desgaste dos pneus, as ligas borradas, o motor engasgado, emocionate, Cléber, emocionante".

Um laranja vai pra cima de Cacá. Ele não quer entregar a posição e na curva ambos se tocam e derrapam. Na hora vejo Galvão com a mão no coração: "Essa briga não é essencial! Essa briga não é essencial!"


E tudo termina.

Vence Duda Pamplona pela primeira vez na vida e Cacá Bueno é o campeão brasileiro de stock car tendo este ano vencido em Santa Cruz, Curitiba e Buenos Aires (capital do Brazil).

Cacá desce do carro e começa a socar o ar. O repórter tenta garantir a exclusiva e leva uma porrada no braço. Cacá faz força, "yeah bicth!".
Tira o capacete e dá a entrevista. E revela nossos erros da reportagem - quanto aos fatos, que fique claro, não quanto à essência. Na verdade, Cacá é agora bicampeão, porém após três vices consecutivos. Taí, deu a volta por cima. Belo exemplo. Um abraço pra ele, outro pra você, tudo de bom para a família, feliz domingo, amingo.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Uma tarde quente no início do verão

Uma tarde quente no início do verão. Pegou o envelope para dépósitos e, olhando para o código de barras no verso, utilizou sua poderosa capacidade mental e decifrou os simbolismos gráficos abstratos monetários. Apóss, foi ao mercado, e, junto à coluna no final do corredor de sopas e ervilhas, olhou na luz verde do conferidor até ouvir o *bip* que tão logo soou se transformou em *corneta olímpica* e na mensagem VÁ AO DEPÓSITO. Foi, fui, foi. Foi, redondo rodando, e quando atravessou as cortinas e encontrou-se dentro do gigantesco depósito,

No primeiro dia em que passei por ali

No primeiro dia em que passei por ali, o cara menor sentado no banquinho já se levantava dizendo “qual é o problema, é tu que paga minhas contas?” bastante visivelmente agora nervoso. O outro camelô do calçadão dos doce, maior, com um cabelo comprido que fugia em mexas debaixo do boné vermelho, white man people, não disse nada. “Quer pagar umas minhas conta, cara? Porquê se pra tu ficar dizendo isso é porque tu quer pagar minhas contas!”. O silêncio; o outro tremia. “Muahahaha!”. Eu tive de seguir meu caminho, a corrente, o fluxo populacional, o povo, insistentemente me convencia àdiante.
No outro dia, imerso em incertezas, acabei, imagino-o conscientemente, sendo levado pelo acaso a passar novamente pelo calçadão dos doce (a hipótese mais aceitável, que logo pensa ser este o caminho que leva da casa até um ponto importante para a, digamos, sobrevivência, é falsa. Tomo um novo caminho a cada novo dia.). Quando dou-me conta disso tudo passo a procurar os personagens daquele insólito acontecimento do dia anterior e não demoro até encontrar uma grande cabeça vermelhamente embonezada. Está mais próximo do que havia imaginado. Com poucos passos já passo em frente a ele. Ele, que olhava para o outro lado, vira o pescoço. Nos olhamos. Meus olhos, seu olho roxo. Reconheço a ferida e disfarço. Sigo em frente. Ele grita: “Qualé que é, cara!, quer pagar minhas contas!?”. Tento abandonar o sonho, mas ele já segura meu ombro. Viro-me e vejo-o: muito maior, o olho roxo ainda mais escuro. “Hein, cara!, hein, cara!, quer pagar minhas contas?” Pega no colarinho e me levanta do chão.
Sigo meu caminho e saio andando, sob os desígnios da maré de gente não consigo terminar a stória.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

O Retorno de Ronaldo

Milan e Atalanta marcariam nesse domingo o retorno aos gramados do agora cabeludinho Ronaldo, o fenômenom. Marcariam. Nesse mesmo domingo, 11 de novembro, algumas horas antes do da partida, um torcedor da Lazio foi morto por policiais. Esse acontecimento revoltoso inspirou os torcedores do Atalanta - que vinha bem no campeonato, com possibilidades de bater o Milan - a cancelar a partida, em respeito ao morto. Jogaram bombas e rojões no gramado, estouraram fogos de artifício nas arquibancadas e derrubaram uma parede de vidro blindada. Como nenhum dos jogadores tinha um contrato que cobrisse a periculosidade de ser destruído, o juiz teve de mandar todos de volta aos vestiários, e dali para suas casas.
Quando a polícia chegou, os revoltosos já estavam saindo do estádio. Munidos de escudos, capacetes e cacetetes, lançaram-se furiosos contra os torcedores. Correram para o confronto e foram confrontados. Uma pauleira.
Ronaldo segue sem jogar.

sábado, 10 de novembro de 2007

Conquista gaudéria

Como tem Renato no Rio de Janeiro.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Fantasia no ar

(...)

- E viu, eu posso mandar um recado?
- Ora, Cláudio, é claro, pode pedir, peça!
- Eu queria mandar um recado pra Marcinha.
- Um... recado... pra... Marcinha...?
- É, pra Marcinha.

Zoom, eis Marcinha.

- Ahmhumm, pra Marcinha, Marcinha, Marcinha, Cláudio, manda, Cláudio, manda o seu recado pra Marcinha.
- Marcinha.

Marcinha abana, sorri e manda beijos.

- Marcinha.

Ela lá fala oi sem que nenhum microfone ouça.

- Marcinha, meu amor. Te amo, te furo toda, te furo todinha, meu amor.

Calafrios.

Ben Des

Aaah, tire esses insetos de mim.

Naah, nós apenas começamos a zoar.

O filho da senhora foi morto por punks.


Diz o inquérito policial, diz ela, disse a imprensa na época, diz o outro debatedor. Pira, o anarcopunk, não foi isso, não foi isso não. Lobão ri com o vocalista, bom piadista. Retoma, num certo momento: no punk, cada movimento é independente e não se responsabiliza pela ação de terceiros. Se um outro movimento punk que não o anarcopunk pratica qualquer ato, nós não temos nada a ver com o fato.
Lobão olha para o diretor: porra, quem escolheu esse cara, o tema do programa é punk, não anarcopunk.
O anarcopunk prossegue: e se não fosse assim, pensa nos hiphoppunks, pensa no que seria de nós, pensa no que seria de mim. Lobão aponta para os seguranças: tirem esse homem daqui!
Eles o agarram, e enquanto não tapam sua boca e jogam-no ao fosso, acusa: senhora, que lhe sirva de alívio, foram os vegetopunks que levaram seu filho!.

Esperou ser lembrado

E morreu.