quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Pisante

As pessoas olhavam meu tênis rasgado. Estava rasgado nos dois lados nos dois pés. Era confortável como nenhum outro tênis que já tive o fôra – e a causa disso não são os rasgos, mas sim os anos de pacífica e prazerosa convivência que nos uniam intimamente. Só lhe dava descanso nos dias de chuva e nas noites de festa.
As pessoas que olhavam o tênis não sabiam e nem pensavam nisso. Olhavam o tênis e julgavam meu caráter financeiro. Eu não estava nem aí para o meu caráter financeiro. Estava preocupado demais para pensar nisso. Estava confuso e não sabia o que fazer. A decisão aguardava o sol se pôr. O orelhão estava ali, à minha frente, a me lembrar em volta do quê meus pensamentos deveriam rodear. Mas não funcionava. Eu apenas olhava para a rua em frente e para os carros e para as pessoas que passavam e não via ninguém. As formigas no chão marchavam em direção ao prédio abandonado dos correios, voltando de mais um dia de trabalho. Pensei que poderiam escalar meus tênis, entrar por baixo da minha calça e me devorar, mas não, as formigas não gostam de tênis rasgado.

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