quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Uma nova amizade

Não costumo pensar direito quando alguém pega minha atenção inesperadamente. Demoro alguns minutos até compreender qual é o assunto da conversa, o objetivo do sujeito e a minha opinião. Assim, durante esse período inicial de conversa, meu leve retardamento responde sempre afirmativamente E SORRINDO. Foi assim que emprestei meu quarto na pensão para o Acácio e a namorada foderem furiosamente.
Eu ainda segurava a sacola de massa e sardinha numa mão enquanto com a outra tratava de deschavear a porta quando ele se aproximou com um ruidoso Ôôôôôô, Andrade!. Olhei por cima do ombro e vi a cara gorda crescer na mesma medida em que o arreganhamento dos dentes. Ô cara, olha só, já falei com o seu Zé e ele disse que não tem problema e eu queria ver contigo o que tu acha de me emprestar o quarto pra eu ficar com a minha namorada que vem de Jundiaí porque tu sabe né, não vou levar minha namorada pro meu quarto porque tem o Miguel e como tu tá num quarto sozinho imaginei que tu poderia deixar eu ficar com ela, uma semaninha só, eu ia colocar ela num quarto de hotel, mas é muito caro, tu sabe, ia torrar uma grana preta, disse ele, terminando num três pontinhos. Antes de reponder abri um sorriso de boca fechada e então “claro claro, sem problemas”. Ele deu um longo suspiro, estava aliviado. Bateu no meu ombro agradecendo e até deu uma piscada sacana “ela vem terça, com aliança e tudo. Vou terminar com ela na quinta”. Mas tu é mal, hein, ô Acácio. Fiquei rindo e concordando com a cabeça e fechando a porta enquanto ele continuava falando. Desculpa, amigo, teu tempo acabou, se contente com o favor e não enche o saco. Já tranquilo, não consegui parar de pensar no que aconteceria a seguir: ele puxaria conversa a todo momento, me cumprimentaria de um jeito intenso e maneiro, daria risada de qualquer comentário que eu fizesse, discursaria sempre antecedido por um “Hein, Andrade, olha essa...”, enfim, trataria de me convencer de que era um sujeito legal que merecia receber o nobre gesto de uma amizade inexistente. Quanta xaropeação. Mandei ele tomar no cú e até mesmo dei umas pancadas naquela cabeça grande e redonda - imaginação, mas já deu um alívio.
O Miguel era meio maluco. Ficava o dia todo fora, chegava no meio do jornal nacional e sempre reclamava do cheiro quando passava pela sala. Era um baita brutamontes com uma tatuagem estranha no ombro do tamanho dum prato. Entrava na casa e ia direto pra cozinha. Fritava uns dois, três bifes, fazia um arroz e um molho com uns temperos que tirava do bolso, misturava tudo numa gamela e devorava ruidosamente com um grande colher.
Vai, Acácio, tu fica me devendo uma.

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