segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Vou morrer

Aqui, assim, caminhando.
Distante do centro da praça vejo uma perseguição. Estive pensando nela o dia todo e eis que agora ela faz-se concreta. Deus.
Sobre o círculo que envolve o chafariz. Um magrelo amorenado pelo sol e seus pés no chão. Corria do baixinho piedoso que, quando alcançou-o e pôde enfim chutá-lo, preferiu não fazê-lo. É natal, é natal.
O perseguido corre e foge.O baixinho, astro dessa tarde quente, grita, pergunta onde está a polícia. “Eu tive que reagir! Cadê a polícia?”. A alguns metros, numa área verde da praça, vemos todos, eu e mais algumas mulheres e velhos sentados nos bancos, um acampamento do exército e, logo em frente, estirados sob a sombra, três militares, espremendo uns os cravos nas costas dos outros.
- Olha ali, os caras do exército, digo, mas o baixinho ensandecido nem ouve, grita para a outra esquina, para dois guardas municipais que numa lentidão excessiva caminham em direção ao tumulto.
- Eu tive que reagir!, ninguém ajuda!, eu tive que reagir!, continua o baixinho.
Um dos guardas manda-lhe calar a boca enquanto caminha em sua direção. Ele baixa a bola, aproxima-se dos guardas e explica para onde o sujeito fugiu. “Tem que pegar e bater, bater!”, grunhe o até então há doze minutos atrás pacífico cidadão.
Do ladrão não se tem mais notícia. Os guardas e o assaltado caminham a lentos passos, discutindo a violência na sociedade moderna.
Eu sigo, derrotado como nunca antes.
Atravesso a rua e encontro um flanelinha de idade avançada. Ele toma a iniciativa. Com um marcador de páginas de natal em mãos, pede-me para ler para ele o que está escrito. Encho os pulmões de vontade e com solenidade recito o otimista dito. Termino com um tapinha em seu ombro. Ele não perde tempo. “Eu não sou daqui, sou de Rio Grande, não comi nada o dia inteiro, tu não tem vinte e cinco centavos pra me dar?”. Tenho e dou, junto a um “feliz natal”. Viro-me e já saio tendo somente o chão – a lona – em mente. Ele fala algo. Olho. Ele caminha balançando o corpo pesadamente. Ele fala comigo. “Feliz natal.”. Me arrepio, engasgo na garganta, volto ao chão, mas ele fala de novo. “A gente se acostuma à derrota”. Nos encaramos por um bom tempo. Ao fim, silenciosamente despeço-me e retorno ao meu caminho. Dou alguns passos quando ouço novamente sua voz. Viro-me uma última vez, mas aí ele já não fala comigo; pede a um engravatado que leia o marcador de páginas de natal e caia no seu golpe.
Deus.

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