quinta-feira, 15 de novembro de 2007

No primeiro dia em que passei por ali

No primeiro dia em que passei por ali, o cara menor sentado no banquinho já se levantava dizendo “qual é o problema, é tu que paga minhas contas?” bastante visivelmente agora nervoso. O outro camelô do calçadão dos doce, maior, com um cabelo comprido que fugia em mexas debaixo do boné vermelho, white man people, não disse nada. “Quer pagar umas minhas conta, cara? Porquê se pra tu ficar dizendo isso é porque tu quer pagar minhas contas!”. O silêncio; o outro tremia. “Muahahaha!”. Eu tive de seguir meu caminho, a corrente, o fluxo populacional, o povo, insistentemente me convencia àdiante.
No outro dia, imerso em incertezas, acabei, imagino-o conscientemente, sendo levado pelo acaso a passar novamente pelo calçadão dos doce (a hipótese mais aceitável, que logo pensa ser este o caminho que leva da casa até um ponto importante para a, digamos, sobrevivência, é falsa. Tomo um novo caminho a cada novo dia.). Quando dou-me conta disso tudo passo a procurar os personagens daquele insólito acontecimento do dia anterior e não demoro até encontrar uma grande cabeça vermelhamente embonezada. Está mais próximo do que havia imaginado. Com poucos passos já passo em frente a ele. Ele, que olhava para o outro lado, vira o pescoço. Nos olhamos. Meus olhos, seu olho roxo. Reconheço a ferida e disfarço. Sigo em frente. Ele grita: “Qualé que é, cara!, quer pagar minhas contas!?”. Tento abandonar o sonho, mas ele já segura meu ombro. Viro-me e vejo-o: muito maior, o olho roxo ainda mais escuro. “Hein, cara!, hein, cara!, quer pagar minhas contas?” Pega no colarinho e me levanta do chão.
Sigo meu caminho e saio andando, sob os desígnios da maré de gente não consigo terminar a stória.