terça-feira, 26 de junho de 2007

Mortomi entrou no Buldoggs Inn

Mortomi entrou no Buldoggs Inn e pegou o ombro do primeiro desgraçado que viu sentado no balcão. Era o único, estávamos fechando. Não era a primeira vez que assistia àquilo. Na verdade a mesma cena esteve se repetindo pelo dia todo, uma sessão após a outra. Com quinze minutos de intervalo.
- Que história é essa de não gostar de festa à fantasia, caaara?, perguntou Mortomi ao homem com os cotovelos no balcão, uma mão segurando um grande copo jávazio.
As mesmas palavras. Para todos, com todos.
Mais um. Messtre.
Como sempre antes o homem virou-se rindo, a cara vermelha e os olhos apertados. Bem assim, e ele disse:
- É cara, sei lá cara, uma vez gostava, agora já acho meio CHAVOROSO.

Vou fechar o bar, este é o último da noite.

Tenho que me livrar dessa mulher

Tudo muito engraçado, sempre. Até a música da tevê inspirava a leveza do humor e o riso entrecortado pela respiração e a tremedeira. Fazia um frio do cão e jogavam golfe. Um torneio em Ashton Ville. Disputa do cordão real. Briga de cachorro grande. Dinamarquesas haviam sido contratadas e aplaudiam ao final de cada tacada.
Longe dali, dúzias de casais reunidos numa grande praça lutavam para bater o recorde de mais longo beijo. Recorde mundial e tal e tal. Já estavam no quinto dia; apenas dois casais permaneciam em pé. A moça tira a boca do rapaz e diz:
- Cuzcuz?
Ele responde:
- Sim, no carnaval, não lembra? Um pratinho.
À oeste, um antigo estacionamento era o palco para milhares de milhares de pessoas baterem o recorde de maior beijo coletivo da história. O cantor que fazia o show pré-recorde iniciou a contagem regressiva. “Trêsdoisum e já!”. Havia um total de dois homens a mais que mulheres no local. Os dois rapazes que sobraram se encontraram quando estavam todos a se beijar. Olharam um no outro e o primeiro disse:
- Que merda, hein.
O outro:
- Pódecrer, caralho.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Nunca tinha visto uma lua daquele tamanho

A fome não cessa. Não encontro tempo entre um e outro cachorro-quente. Não termino um e já ouço a sinetinha avisar que há um novo pedido. Putaquepariu. Já nem olho pra cara desses putos. Entrego o cachorro com uma mão enquanto a outra busca o novo pedido. Leio o rascunho por cima e já sei do que se trata. Duvido que alguém de fora conseguisse entender os borrões de caneta. Eu consigo, eu entendo. Um borrão é ervilha, um outro rabisco é salsa. Mas também, é impossível não estar familiarizado convivendo com isso há tanto tempo. Minha única distração é tentar adivinhar o que virá a seguir. “Ah, esse vai ser completo! Putz, o cara não quer queijinho...”. No início do expediente até tento traçar um paralelo entre a fisionomia do sujeito e o pedido, mas nunca acerto. Tenho para mim a certeza de que esse paralelo não existe, mas mesmo assim não deixo de fantasiar. Uma pequena brincadeira, pra relaxar e descontrair. Isso no início do expediente, é claro. Agora nada disso rola. Porra meu, onze e meia da noite e eu ainda aqui, pão pão pão, salsicha, molho, milho, tomate, alface, cebola, queijo, catchup, mostarda e maionese. Ah, maionese. Os caras sempre pedem com molho, mas nosso molho é a água que ferve a salsicha, então caprichamos na maionese. Se for pensar proporcionalmente, o verdadeiro molho do cachorro É a maionese. Claro que sempre que a gente coloca a salsicha no pão a gente manda ver umas colheradas de água, mas é pura formalidade. Eu aprovo essa política. Prefiro mesmo apertar o tubo e formar um jato de maionese do que ficar naquela de “colheradinha, colheradinha, colheradinha. colheradinha, colheradinha, colheradinha.”. Na verdade todos aprovam. Dá pra dar uma descarregada na tensão à base do vaaaaaaaai maionese do caralho até ouvir ela dar aquele arrotinho final. Ô beleza. É o que salva a sanidade de um indivíduo nessas condições. Onze e meia da noite porra. Domingo, porra. Domingo. Domingo é foda. Domingo é sempre foda. Abrimos mais cedo pra pegar o movimento do pessoalzinho dando uma passeada com os filhotes. Tudo muito bom, tudo muito bem, filhinho, quer um cachorrinho? Ah, vai pra puta! É foda, é foda. No início do expediente não dá nada, o problema é agora. Na real o problema inicia quando os primeiros ingredientes começam a terminar. O cara fica naquela função e vai vendo tudo diminuir, diminuir, diminuir até vir o zé ruela repôr o estoque. Meu amigo, esse momento é foda. É uma sensação de infinitude insuportável. Parece que nunca vai acabar, que todo o esforço é em vão, já que por mais que eu trabalhe nunca consigo dar conta de tanto pão e salsicha que os caras tiram sei lá de onde. Quando acabo com tudo, vem alguém e renova o desafio. Isso é loucura. Loucura sem limites. Assim como a fome. A fome não cessa. A fome nunca cessa.