segunda-feira, 16 de abril de 2007

O homem tinha o rosto marcado

O homem tinha o rosto marcado. A pele era toda embolotada. Bolotas no nariz, nas bochechas e na testa. A voz era como que a de um Harvey Pekar grave e sossegado.
Estive ali antes, há uns quinze minutos. Percorrera todos os restaurantes da região, e aquele era o único barato que não estava lotado. O buffet de massa parafuso e galeto era comível, mas o molho de tomate aguado havia olhado em meus olhos e dito: “vá, volte aos outros restaurantes, encontre-os cheios, enfrente a vergonha de pedir a um desconhecido para dividir a mesa e retorne para me papar todinho”.
Havia voltado, e era agora o único cliente. O homem estava atrás do balcão, a camisa púrpura de seda fina e gasta aberta até o botão do meio do peito. Enchi o prato, pesei e pedi uma coca. Comia em silêncio, depreciando cada vez menos o molho que a princípio parecera um vinagre avermelhado.
O homem conversava com um outro homem, um dos grandes, gordos e carecas de camiseta azul. A seu lado, um jovem um pouco escuro acompanhava a conversa dos dois com um sorriso infantil nos olhos, vez por outra murmurando um “tá louco” ou um “não, não, não, não, não, não, não...”. Escorada na porta da cozinha, a garçonete, uma morena conservada e simpática, ouvia os homens com o mesmo olhar, porém deixando à mostra um fragmento de desilusão e outro de cansaço.
Um alemão fardado de liquigás entrou no restaurante. “Tá aí o homem do dinheiro”, disse, referindo-se ao homem do balcão, que riu e chamou-o de “alemãozinho”. Conversaram. O homem devia gás. Falou que pagaria e ofereceu um lanche ao alemão, que recusou. Baixei a cabeça para espetar alguns parafusos, e quando a levantei o alemão não estava mais lá. Os homens e o jovem seguravam pratos e se serviam do buffet. Os dois homens sentaram juntos, e o rapaz sentou-se numa mesa ao lado, com a garçonete.
Esvaziei o prato, terminei de tomar a coca e fui até o balcão. O homem levantou-se de sua mesa limpando a boca com as costas da mão e fez uma continha rápida de três e cinquenta mais dois. Dei sete. Ele devolveu dois. “Tá me devendo cinquenta, magrão”. Eu ri e fui embora.

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