quarta-feira, 25 de abril de 2007

Há um bom tempo não saía de casa

Do quando em Soledade.


Há um bom tempo não saía de casa. Não que chovesse e eu estivesse preservando minha saúde do frio e do vento e das bactérias que aproveitam esses momentos para se instalar nas células desprotegidas e ali depositar seus venenos e seus espermas. Não, nada disso. Nesses dias em que escolhi a reclusão, o sol brilhou e a brisa brisou, felizes e serelepes como hoje. Logo, não foi o clima terno e agradável o inspirador dessa minha mudança de rumos. Eu, por minha conta, permaneceria em casa, em meu quarto, sentado.
Estou sempre no meu quarto, sentado. Ultimamente tenho sentido dores nas costas. Todos os dias após acordar sinto uma dor e a sensação de estar com alguma vértebra fora do lugar. Não sei se o problema é com o colchão ou com os travesseiros, e por isso evito ambos. Fico sentado por horas e horas numa cadeira de plástico branco, daquelas que vendem num conjuntinho de mesa e quatro cadeiras. Foi comprada quando meu pai terminou a piscina no sítio. Hoje, essa é a única que restou. As outras quebraram ou simplesmente desapareceram. Lembro da mesa branca redonda e consigo sentir ela pesando sobre meus braços, a tampa escorada no peito, carregada por um garoto de 14 anos numa exibição de força e perícia aos pais e irmãos mais novos. Hoje o pai é o único a ainda ir para o sítio. Vai na sexta, no sábado e no domingo.
Nesses últimos dias meu único contato com o sol e com as nuvens tem sido na hora de dar comida para o gato. Ele mora num galpãozinho aberto ao pátio interno da casa. É onde ficam cadeiras quebradas, antigas bicicletas e montes de caixas de papelão. Quando fica sozinho, ele sobe na pilha de caixas mais alta e lá em cima dorme onde imagina ser o local mais seguro. Está comigo há duas semanas, e só agora começa a deixar eu chegar perto e passar a mão. Ontem lhe dei leite e alguns presuntos e sentei perto, escorado na parede. Ele, que nunca sai de dentro do galpãozinho, ficou me arrodeando e fazendo buscas por todos os cantos do pátio, brincando com as formigas e plantinhas desabrochadas por entre as frestras e rachaduras do chão de cimento.

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