Tentei ler o livro. Cada dia a mais em minha mão era uma lata de sardinha a menos no almoço. Ia devolver na terça, mas não tinha dinheiro para pagar o aluguel. Acabei lendo mais uns dois contos e fiquei atemorizado por quase tê-los perdido. Ontem li mais três contos, e novamente agradeci aos céus por terem-no mantido comigo. Hoje, porém, teria de entregá-lo. Se o arrastasse pelo fim de semana pagaria muito caro, e sabia que os problemas pessoais que nasciam não me dariam tempo para viver outra vida que não a minha.
Havia ficado uma semana e um dia com o livro. O dono da livraria dise que meu débito era de nove reais. Eu estava muito cansado para qualquer coisa e dei o dinheiro. Engraçado que antes de chegar acreditei na possibilidade de ele oferecer o livro gratuitamente durante o final de semana ao constatar que eu não terminara a leitura. Ri. Sempre rio dos momentos em que a realidade se estabelece crua sobre minha infantil ingenuidade. Ali estava o simpático dono da livraria me logrando em um real.
Caminhava passo por passo sentindo o vento gelado enroscar em meu pescoço. O sol estava do outro lado da rua, mas mesmo debaixo da sombra meus olhos ardiam. Acordaram assim. Indo almoçar tive que seguir o trajeto guardado na memória, já que não conseguia mantê-los abertos. Antes achava que fosse o sol, agora culpava o vento.
Uma igreja se erguia numa esquina à minha esquerda, a sombra tombada atravessando a rua e esburacando o caminho ensolarado da outra calçada. Desprovido de objetivos decidi conhecer seu interior. Tiro o boné e dou alguns passos quando sou surpreendido por uma campainha alta, daquelas que nos estabelecimentos comerciais anunciam a chegada do cliente. Sentei no primeiro banco que encontrei, depositei o boné ao meu lado, juntei as mãos e respirei profundamente. Sobre o altar alguns homens e mulheres conversavam de maneira vulgar, rindo alto e estapeando-se nas costas. Um homem junto a eles estava acocorado com algum instrumento mecânico. Parecia consertar algo. Um pouco afastada do grupo uma mulher com os cabelos grandes e volumosos segurava um balde de água e me olhava, procurando em seus pensamentos um motivo que me levasse até aquele lugar.
Sentia os olhos ardendo ainda mais do que antes. Fechei-os por alguns segundos e logo abri-os. Não sentia paz alguma naquela igreja. Aquelas pessoas sobre o altar não tinham respeito algum por coisas que deveriam ser sagradas segundo sua religião. Entendia agora um pouco do crescimento das igrejas evangélicas. Uma grande raça de pessoas precisam de algo em quê acreditar. Muitas dessas pessoas acabam se mantendo fiéis a crenças que não mais habitam seu coração por puro comodismo. E esse comodismo relaxado não agrada novos crentes, que migram para as mãos de outros canalhas ad infinitum.
Esse pensamento começou a me dar náuseas por estar ali. Aqueles ventiladores atrás da mesa do padre, os microfones nas bancadas, as caixas de som espalhadas pelas paredes laterais com uma grande marca algo do tipo POWERSOUND, as pequenas lâmpadas de última moda iluminando quadrinhos que retratavam a santa peregrinação do profeta, toda aquela tecnologia era demais. Não conseguia conceber um ritual espiritual amamentado por tantos fios. Fechei os olhos novamente e só abri quando a campainha voltou a tocar. Entrava um homem de jovens cabelos grisalhos. Caminhou até uma salinha envidraçada e foi logo abanando para uma jovem mulher que imagino seja uma espécie de secretária de capela. Se aproximaram e se beijaram apaixonadamente. Virei o rosto e notei que cada uma das colunas de sustentação da igreja era ornamentada com um grande cartaz pedindo o pagamento do dízimo. O dízimo é não sei o quê da partilha do senhor. O dízimo alimenta a fé que blablablablabla. Eram dois modelos de cartaz que se alternavam de coluna
sexta-feira, 27 de abril de 2007
Uma decisão precisa ser tomada
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