quinta-feira, 12 de abril de 2007

Alô, mãe

Alô, mãe?
Oi filho.
Mãe, matei um cara.
O quê?
É, eu matei um cara.
Meu deus, meu filho, como?
Lembra aquela vez que eu bati o carro?
Sim, sim.
E que a gente levou ele na oficina?
Sim, sim.
E lembra do canivete que o mecânico esqueceu no carro?
Meu deus, filho.
É, foi com aquele canivete.
Mas como? Como? Porquê?
Eu tinha acabado de comprar um livro num sebo. Tava frio, apesar do sol, e eu fui até a praça que fica perto da pensão procurar um banco ensolarado.
E daí? Conta, rápido.
Daí que indo em direção ao centro da praça eu vi três caras. Dois tavam sentados num banco e o terceiro tava em pé. Esse que tava em pé ameaçava um dos que tavam sentados. Curvava o corpo na direção dele e serpenteava os braços, um pouco ameaçava e outro pouco acertava tapas e socos na cara do coitado.
Meu deus, que horrível.
É, eu também achei. O miserável não fazia nada, só colocava os braços na frente do rosto e pedia pro outro parar. Daí quando cheguei mais perto deles falei um pouco alto “Ô cara, tu é louco?”.
Não, meu filho.
Sim, mãe. Me senti O Forasteiro.
Continua a stória, filho.
Os caras me olharam, e daí eu falei “Como é que tu vai bater no cara aqui, na frente de todo mundo? Faz escondido pelo menos, he he”. Ninguém riu. O estapeado parecia até estar com mais medo do que antes. O machão começou a caminhar na minha direção falando essas merdas que os caras da perifa falam: “Qual é que é, tá me tirando, te liga mano” e blábláblá.
Ai, filho...
Os que tavam sentados ficaram lá, só olhando, enquanto o outro caminhava na minha direção, falando merda e balançando os braços e os dedos. E sabe, mãe, eu realmente comecei a ficar com raiva daquele cara. Não só por ele ser um covarde, mas também por ser chato pra caralho. Por ser um bosta, um idiota, um débil mental, e mesmo assim achar que era o talzinho. Ele veio caminhando devagar, e quando percorreu a metade do caminho entre nós dois eu avancei sobre ele FURIOSAMENTE. Peguei ele desprevenido e dei uma bomba no nariz. Ele deu uns passos pra trás, a cabeça rodando. Quando ameaçou abrir os olhos, PÁ! Outra bomba, dessa vez no meio da testa. Ele foi mais pra trás e daí eu caí em cima dele, e caímos nós dois e eu não parei mais de socar e socar e socar a cara dele. Os manés aqueles continuavam lá, sentados. Alguns velhos que estavam sentados em bancos próximos apenas olhavam, e mulheres que passavam expressavam seu pavor enfeiando ainda mais o rostinho que deus lhes deu. Nessa hora em que eu batia nele, esperava infantilmente que ele desmaiasse, ou dormisse, ou fingisse de morto, enfim. Como nada disso aconteceu e ele continuava ali embaixo, respirando com dificuldades e tossindo sangue, tive tempo para pensar que, se aquele cara continuasse vivo, eu não conseguiria nunca mais me sentir seguro. Eu teria, então, perdido muito da minha liberdade e da minha tranquilidade em ir e vir e caminhar e olhar os ladrilhos, e as árvores e as moças e os cachorros. A qualquer momento em que eu estivesse desatento ele poderia saltar, sei lá, da copa de uma árvore e me atacar. Seria horrível ter que andar com o cérebro sempre em safety mode.
Ai, meu filho...
Pois é, mãe, daí, pensando nisso, tirei do bolso o canivete - com o qual eu planejava escrever meu nome num tronco de árvore - e cravei no pescoço dele. Nossa, acho que foi o maior susto que aquele cara já levou na vida. Ele me olhava com os olhos bastante abertos, não acreditando no que acontecia. Quando puxei o canivete, o sangue brotou num jorro que acertou minha cara em cheio. Me levantei e limpei os olhos para voltar a enxergar a morte. Os amigos vieram correndo socorrer o chefinho que abria e fechava a boca tentando falar seu último "É issae manow1". O ar do pulmão fugia todo pelo buraco do pescoço. Eles choravam, abraçavam ele e também se sujavam de hemoglobinas. Eu tava em pé, recuperando o fôlego, deixando o sangue escorrer das mãos. Os velhos permaneciam sentados, com os cotovelos escorados no encosto dos bancos. Olhavam um pouco pra mim, outro pouco pro balãozinho vazando, cada vez mais murcho, cada vez mais enrugado. Eu fiquei ali, não sabia o que fazer. Não queria fugir da polícia nem nada assim, muito pelo contrário. Queria ir pra delegacia, explicar o acontecido, narrar minha teoria de legítima defesa e etc. De repente o cara que tava sendo estapeado começou a correr e a gritar pela polícia. Não demorou até eles chegarem, mais para mandar o cara calar a boca do que por qualquer outra coisa. Viram o acontecido, nos algemaram e levaram pra delegacia. E foi isso.
E agora, filho? Onde tu tá?
Aqui na delegacia. Isso tudo aconteceu deve fazer uma meia-hora.
E o quê que a gente faz?
Sei lá. Diz pro pai vir aqui me defender ou arrumar um advogado.
Ai, meu filho...
Mãe, agora eu tenho que desligar.
Peraí, filho!
Fala, mãe.
Eu... Ahm...
Mãe, tenho que desligar. Dêem um jeito aí. De preferência antes de eu terminar de ler o livro. Beijo, mãe.
Beijo, filho. Te cuida.
PÓDESCRER, COROA.

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