sexta-feira, 27 de abril de 2007

Uma decisão precisa ser tomada

Uma decisão precisa ser tomada. Difícil isso. Não gosto de ser forçado a nada. Prefiro que tudo aconteça naturalmente. Prefiro andar carregado nas correntes do destino.
Tentei ler o livro. Cada dia a mais em minha mão era uma lata de sardinha a menos no almoço. Ia devolver na terça, mas não tinha dinheiro para pagar o aluguel. Acabei lendo mais uns dois contos e fiquei atemorizado por quase tê-los perdido. Ontem li mais três contos, e novamente agradeci aos céus por terem-no mantido comigo. Hoje, porém, teria de entregá-lo. Se o arrastasse pelo fim de semana pagaria muito caro, e sabia que os problemas pessoais que nasciam não me dariam tempo para viver outra vida que não a minha.
Havia ficado uma semana e um dia com o livro. O dono da livraria dise que meu débito era de nove reais. Eu estava muito cansado para qualquer coisa e dei o dinheiro. Engraçado que antes de chegar acreditei na possibilidade de ele oferecer o livro gratuitamente durante o final de semana ao constatar que eu não terminara a leitura. Ri. Sempre rio dos momentos em que a realidade se estabelece crua sobre minha infantil ingenuidade. Ali estava o simpático dono da livraria me logrando em um real.
Caminhava passo por passo sentindo o vento gelado enroscar em meu pescoço. O sol estava do outro lado da rua, mas mesmo debaixo da sombra meus olhos ardiam. Acordaram assim. Indo almoçar tive que seguir o trajeto guardado na memória, já que não conseguia mantê-los abertos. Antes achava que fosse o sol, agora culpava o vento.
Uma igreja se erguia numa esquina à minha esquerda, a sombra tombada atravessando a rua e esburacando o caminho ensolarado da outra calçada. Desprovido de objetivos decidi conhecer seu interior. Tiro o boné e dou alguns passos quando sou surpreendido por uma campainha alta, daquelas que nos estabelecimentos comerciais anunciam a chegada do cliente. Sentei no primeiro banco que encontrei, depositei o boné ao meu lado, juntei as mãos e respirei profundamente. Sobre o altar alguns homens e mulheres conversavam de maneira vulgar, rindo alto e estapeando-se nas costas. Um homem junto a eles estava acocorado com algum instrumento mecânico. Parecia consertar algo. Um pouco afastada do grupo uma mulher com os cabelos grandes e volumosos segurava um balde de água e me olhava, procurando em seus pensamentos um motivo que me levasse até aquele lugar.
Sentia os olhos ardendo ainda mais do que antes. Fechei-os por alguns segundos e logo abri-os. Não sentia paz alguma naquela igreja. Aquelas pessoas sobre o altar não tinham respeito algum por coisas que deveriam ser sagradas segundo sua religião. Entendia agora um pouco do crescimento das igrejas evangélicas. Uma grande raça de pessoas precisam de algo em quê acreditar. Muitas dessas pessoas acabam se mantendo fiéis a crenças que não mais habitam seu coração por puro comodismo. E esse comodismo relaxado não agrada novos crentes, que migram para as mãos de outros canalhas ad infinitum.
Esse pensamento começou a me dar náuseas por estar ali. Aqueles ventiladores atrás da mesa do padre, os microfones nas bancadas, as caixas de som espalhadas pelas paredes laterais com uma grande marca algo do tipo POWERSOUND, as pequenas lâmpadas de última moda iluminando quadrinhos que retratavam a santa peregrinação do profeta, toda aquela tecnologia era demais. Não conseguia conceber um ritual espiritual amamentado por tantos fios. Fechei os olhos novamente e só abri quando a campainha voltou a tocar. Entrava um homem de jovens cabelos grisalhos. Caminhou até uma salinha envidraçada e foi logo abanando para uma jovem mulher que imagino seja uma espécie de secretária de capela. Se aproximaram e se beijaram apaixonadamente. Virei o rosto e notei que cada uma das colunas de sustentação da igreja era ornamentada com um grande cartaz pedindo o pagamento do dízimo. O dízimo é não sei o quê da partilha do senhor. O dízimo alimenta a fé que blablablablabla. Eram dois modelos de cartaz que se alternavam de coluna em coluna. Olhei para cima, buscando um pouco de tranquilidade no céu de madeira, mas um irritante barulho de torneira se formou logo atrás de mim. Era a mulher cabeluda. Estava lavando a pia da água benta. Mergulhava uma esponja na água amarronzada do balde e esfregava na pia. Olhamo-nos mutuamente. Sua feiúra curiosa me fez baixar a cabeça, cansado, os olhos ardendo. Aquele lugar não era mais o mesmo. A campainha anunciou minha saída. Voltei a caminhar na sombra.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Há um bom tempo não saía de casa

Do quando em Soledade.


Há um bom tempo não saía de casa. Não que chovesse e eu estivesse preservando minha saúde do frio e do vento e das bactérias que aproveitam esses momentos para se instalar nas células desprotegidas e ali depositar seus venenos e seus espermas. Não, nada disso. Nesses dias em que escolhi a reclusão, o sol brilhou e a brisa brisou, felizes e serelepes como hoje. Logo, não foi o clima terno e agradável o inspirador dessa minha mudança de rumos. Eu, por minha conta, permaneceria em casa, em meu quarto, sentado.
Estou sempre no meu quarto, sentado. Ultimamente tenho sentido dores nas costas. Todos os dias após acordar sinto uma dor e a sensação de estar com alguma vértebra fora do lugar. Não sei se o problema é com o colchão ou com os travesseiros, e por isso evito ambos. Fico sentado por horas e horas numa cadeira de plástico branco, daquelas que vendem num conjuntinho de mesa e quatro cadeiras. Foi comprada quando meu pai terminou a piscina no sítio. Hoje, essa é a única que restou. As outras quebraram ou simplesmente desapareceram. Lembro da mesa branca redonda e consigo sentir ela pesando sobre meus braços, a tampa escorada no peito, carregada por um garoto de 14 anos numa exibição de força e perícia aos pais e irmãos mais novos. Hoje o pai é o único a ainda ir para o sítio. Vai na sexta, no sábado e no domingo.
Nesses últimos dias meu único contato com o sol e com as nuvens tem sido na hora de dar comida para o gato. Ele mora num galpãozinho aberto ao pátio interno da casa. É onde ficam cadeiras quebradas, antigas bicicletas e montes de caixas de papelão. Quando fica sozinho, ele sobe na pilha de caixas mais alta e lá em cima dorme onde imagina ser o local mais seguro. Está comigo há duas semanas, e só agora começa a deixar eu chegar perto e passar a mão. Ontem lhe dei leite e alguns presuntos e sentei perto, escorado na parede. Ele, que nunca sai de dentro do galpãozinho, ficou me arrodeando e fazendo buscas por todos os cantos do pátio, brincando com as formigas e plantinhas desabrochadas por entre as frestras e rachaduras do chão de cimento.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

A égua

Quem falou da água foi o Japa, o cara que há mais tempo mora aqui.
O alemão, do exército, só toma coca.
Eu já tinha reclamado de que quando deixo a água mais de um dia na geladeira ela fica cheia de um negócio estilo cinzas no fundo.
A gurizada não dá bola, tanto que o meu companheiro de quarto, o Índio Velho, desde que chegou enche e reenche na torneira uma garrafa de guaraná 600ml que havia comprado na rodoviária de Dom Pedrito, sua cidade natal – comportamento bastante simbólico esse, hãn?.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

A carroça estava vazia

A carroça estava vazia. Vinha a toda. Uma mulher apertou a campainha presa ao poste de sustentação do semáforo e envermelhou-o. O cavalo que solitariamente conduzia a carroça viu aquilo e tratou de reduzir o ritmo do galope, parando completamente um pouco antes da faixa de travessia dos pedestres. A seu lado um carro com o som num volume bastante alto também esperava o sinal abrir. Era governado por um cabeçudo rapaz de cabeça grande. Trocaram um olhar e o cavalo lhe deu uma piscadela. “O funk é neurótico”, disse. O rapaz concordou balançando a cabeça para cima e para baixo. O sinal continuava fechado, mas como não havia ninguém interessado na travessia - a mulher apertou a campainha e saiu correndo rindo feito uma louca -, o cavalo considerou ser o mais certo avançar e seguir sua jornada, pois estava faminto e um tanto sonolento. “É, to indo nessa”, disse ao rapaz de cabeça grande, que cordialmente respondeu com um “Até mais”.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

O homem tinha o rosto marcado

O homem tinha o rosto marcado. A pele era toda embolotada. Bolotas no nariz, nas bochechas e na testa. A voz era como que a de um Harvey Pekar grave e sossegado.
Estive ali antes, há uns quinze minutos. Percorrera todos os restaurantes da região, e aquele era o único barato que não estava lotado. O buffet de massa parafuso e galeto era comível, mas o molho de tomate aguado havia olhado em meus olhos e dito: “vá, volte aos outros restaurantes, encontre-os cheios, enfrente a vergonha de pedir a um desconhecido para dividir a mesa e retorne para me papar todinho”.
Havia voltado, e era agora o único cliente. O homem estava atrás do balcão, a camisa púrpura de seda fina e gasta aberta até o botão do meio do peito. Enchi o prato, pesei e pedi uma coca. Comia em silêncio, depreciando cada vez menos o molho que a princípio parecera um vinagre avermelhado.
O homem conversava com um outro homem, um dos grandes, gordos e carecas de camiseta azul. A seu lado, um jovem um pouco escuro acompanhava a conversa dos dois com um sorriso infantil nos olhos, vez por outra murmurando um “tá louco” ou um “não, não, não, não, não, não, não...”. Escorada na porta da cozinha, a garçonete, uma morena conservada e simpática, ouvia os homens com o mesmo olhar, porém deixando à mostra um fragmento de desilusão e outro de cansaço.
Um alemão fardado de liquigás entrou no restaurante. “Tá aí o homem do dinheiro”, disse, referindo-se ao homem do balcão, que riu e chamou-o de “alemãozinho”. Conversaram. O homem devia gás. Falou que pagaria e ofereceu um lanche ao alemão, que recusou. Baixei a cabeça para espetar alguns parafusos, e quando a levantei o alemão não estava mais lá. Os homens e o jovem seguravam pratos e se serviam do buffet. Os dois homens sentaram juntos, e o rapaz sentou-se numa mesa ao lado, com a garçonete.
Esvaziei o prato, terminei de tomar a coca e fui até o balcão. O homem levantou-se de sua mesa limpando a boca com as costas da mão e fez uma continha rápida de três e cinquenta mais dois. Dei sete. Ele devolveu dois. “Tá me devendo cinquenta, magrão”. Eu ri e fui embora.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Alô, mãe

Alô, mãe?
Oi filho.
Mãe, matei um cara.
O quê?
É, eu matei um cara.
Meu deus, meu filho, como?
Lembra aquela vez que eu bati o carro?
Sim, sim.
E que a gente levou ele na oficina?
Sim, sim.
E lembra do canivete que o mecânico esqueceu no carro?
Meu deus, filho.
É, foi com aquele canivete.
Mas como? Como? Porquê?
Eu tinha acabado de comprar um livro num sebo. Tava frio, apesar do sol, e eu fui até a praça que fica perto da pensão procurar um banco ensolarado.
E daí? Conta, rápido.
Daí que indo em direção ao centro da praça eu vi três caras. Dois tavam sentados num banco e o terceiro tava em pé. Esse que tava em pé ameaçava um dos que tavam sentados. Curvava o corpo na direção dele e serpenteava os braços, um pouco ameaçava e outro pouco acertava tapas e socos na cara do coitado.
Meu deus, que horrível.
É, eu também achei. O miserável não fazia nada, só colocava os braços na frente do rosto e pedia pro outro parar. Daí quando cheguei mais perto deles falei um pouco alto “Ô cara, tu é louco?”.
Não, meu filho.
Sim, mãe. Me senti O Forasteiro.
Continua a stória, filho.
Os caras me olharam, e daí eu falei “Como é que tu vai bater no cara aqui, na frente de todo mundo? Faz escondido pelo menos, he he”. Ninguém riu. O estapeado parecia até estar com mais medo do que antes. O machão começou a caminhar na minha direção falando essas merdas que os caras da perifa falam: “Qual é que é, tá me tirando, te liga mano” e blábláblá.
Ai, filho...
Os que tavam sentados ficaram lá, só olhando, enquanto o outro caminhava na minha direção, falando merda e balançando os braços e os dedos. E sabe, mãe, eu realmente comecei a ficar com raiva daquele cara. Não só por ele ser um covarde, mas também por ser chato pra caralho. Por ser um bosta, um idiota, um débil mental, e mesmo assim achar que era o talzinho. Ele veio caminhando devagar, e quando percorreu a metade do caminho entre nós dois eu avancei sobre ele FURIOSAMENTE. Peguei ele desprevenido e dei uma bomba no nariz. Ele deu uns passos pra trás, a cabeça rodando. Quando ameaçou abrir os olhos, PÁ! Outra bomba, dessa vez no meio da testa. Ele foi mais pra trás e daí eu caí em cima dele, e caímos nós dois e eu não parei mais de socar e socar e socar a cara dele. Os manés aqueles continuavam lá, sentados. Alguns velhos que estavam sentados em bancos próximos apenas olhavam, e mulheres que passavam expressavam seu pavor enfeiando ainda mais o rostinho que deus lhes deu. Nessa hora em que eu batia nele, esperava infantilmente que ele desmaiasse, ou dormisse, ou fingisse de morto, enfim. Como nada disso aconteceu e ele continuava ali embaixo, respirando com dificuldades e tossindo sangue, tive tempo para pensar que, se aquele cara continuasse vivo, eu não conseguiria nunca mais me sentir seguro. Eu teria, então, perdido muito da minha liberdade e da minha tranquilidade em ir e vir e caminhar e olhar os ladrilhos, e as árvores e as moças e os cachorros. A qualquer momento em que eu estivesse desatento ele poderia saltar, sei lá, da copa de uma árvore e me atacar. Seria horrível ter que andar com o cérebro sempre em safety mode.
Ai, meu filho...
Pois é, mãe, daí, pensando nisso, tirei do bolso o canivete - com o qual eu planejava escrever meu nome num tronco de árvore - e cravei no pescoço dele. Nossa, acho que foi o maior susto que aquele cara já levou na vida. Ele me olhava com os olhos bastante abertos, não acreditando no que acontecia. Quando puxei o canivete, o sangue brotou num jorro que acertou minha cara em cheio. Me levantei e limpei os olhos para voltar a enxergar a morte. Os amigos vieram correndo socorrer o chefinho que abria e fechava a boca tentando falar seu último "É issae manow1". O ar do pulmão fugia todo pelo buraco do pescoço. Eles choravam, abraçavam ele e também se sujavam de hemoglobinas. Eu tava em pé, recuperando o fôlego, deixando o sangue escorrer das mãos. Os velhos permaneciam sentados, com os cotovelos escorados no encosto dos bancos. Olhavam um pouco pra mim, outro pouco pro balãozinho vazando, cada vez mais murcho, cada vez mais enrugado. Eu fiquei ali, não sabia o que fazer. Não queria fugir da polícia nem nada assim, muito pelo contrário. Queria ir pra delegacia, explicar o acontecido, narrar minha teoria de legítima defesa e etc. De repente o cara que tava sendo estapeado começou a correr e a gritar pela polícia. Não demorou até eles chegarem, mais para mandar o cara calar a boca do que por qualquer outra coisa. Viram o acontecido, nos algemaram e levaram pra delegacia. E foi isso.
E agora, filho? Onde tu tá?
Aqui na delegacia. Isso tudo aconteceu deve fazer uma meia-hora.
E o quê que a gente faz?
Sei lá. Diz pro pai vir aqui me defender ou arrumar um advogado.
Ai, meu filho...
Mãe, agora eu tenho que desligar.
Peraí, filho!
Fala, mãe.
Eu... Ahm...
Mãe, tenho que desligar. Dêem um jeito aí. De preferência antes de eu terminar de ler o livro. Beijo, mãe.
Beijo, filho. Te cuida.
PÓDESCRER, COROA.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Quase quites

Olha, baboo, a gente lava um máximo de 20 peças de roupa por semana, e só ontem tu deixou oito pra lavar.
É que ontem teve jogo.
Ahm.
.
É, mas mesmo assim. Vinte peças de roupa por semana é o limite. Se ultrapassar esse limite, a gente não lava mais tuas roupas.
Tu acha que eu to dando uma de malandro?
Sob o meu ponto de vista, sim.
Se eu te perguntei, fica implícito e ao mesmo tempo óbvio que era o teu ponto de vista que eu queria. E mais, se tu acha que eu dei uma de malandro, então tá se aproximando o momento em que a gente fica quites, porque a tv a cabo que tu disse que eu ia ter não pega nem metade dos canais que pegam nos outros quartos, porque a cadeira que a tua mulher me deu é uma lembrança enferrujada de uma bodega fracassada que tu herdou do teu pai, e também e acima de tudo porque quando eu te perguntei se tu tinha uma extensão pra ligar meu computador, tu respondeu que não era eletricista DANDO UMA DE MALANDRÃO, seu coroa.
Ahm.
É. Estamos quase quites.
É...
Bicha.
.
Putão.
.
Vaza, loco.

terça-feira, 10 de abril de 2007

O Tropeiro do Nidal

Meu colega de quarto é de Dom Pedrito.
Pergunto se ele toca violão e ele responde que não, apenas pandeiro e um outro instrumento parecido com o surdo, porém peludo.
Conta que tinha uma banda, uma gauchesca. Tropeiros do Nidal, o nome.
Midal?, pergunto.
Aham. Nidal.
Midal?
Nidal. Ene, i, dê, a, éle.
Nidal.
É.
E o que significa?
Núcleo Integrado de Desenvolvimento de Análises Laboratoriais.

Na volta

Na volta, um farrapo me esperava sentado numa calçada. Cheirava algo num pano colado ao nariz. Tinha os olhos mais vesgos que alguém poderia ter, e eu não sabia se a droga era a causa ou a consequência daquilo. Passei por ele e ele levantou, me seguindo, babando palavras. Fechei os olhos. Ele babou mais um pouco. Me virei e dei um soco no meio dos olhos do desgraçado, que caiu deitado olhando pro céu.
Fui atravessar a rua mas um motoqueiro não quis deixar. Achou que por estar mais rápido tinha mais direitos e deu sinal de luz, me mandando recuar. Continuei atravessando. Ele buzinou e desviou de mim. A um palmo de distância, num caco de segundo, torceu o pescoço e me olhou nos olhos. O que viu não foi nada bom. Segurei o capacete pelo visor e enchi de bicos aquela cabeça encapacetada que pensou o melhor que podia: pegar a moto, correr pra casa.
Cortando caminho pela praça consegui finalmente entender o quê significava aquele cheiro que me seguia por onde quer que eu fosse. Cheiro do podre. Cheiro da selva cagada na qual tinham transformado todo o mundo. Era o odor da catinga que exalava de todos os sovacos suados que se esfregavam no caminhar e balançar de bolsas e sacolas. Cada sovaquinho com sua própria pestilência, tão característica quanto a sua personalidade dissolvida em rostos e barbas e cabelos e unhas do pé iguais na sua diferença.
Numa última esquina cachorros brigavam. Mas agora eu cresci, seus imundos. Seus putos! Seus viados! Isso, malditos, venham pro pau. Venham, filhos da puta! Venham, filhos da puta! AAAAhhhhH! Filhos da puta!! Filhos da puta!!!!! Rrrrrrrrrrgghhghg!! AAaaarrrhhh!!! Filhos da puta! Filhos da puta!! Filhos da puutaaa!!!!!

domingo, 8 de abril de 2007

Na tv

Na tv, um homem que só não morreu por ter mantido os olhos bem fechados. Não resistiria se descobrisse que sua barriga não mais existe. No lugar, uma bocarra de vísceras e sangue. Toalhas e panos e até mesmo band-aids são inutilmente jogados sobre o homem, que, sem a menor distinção, empapa a todos com sua seiva rubra e pegajosa.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

O homem estava na lua

O homem estava na lua.
Desta vez de modo inquestionável.
Todas as câmeras flagraram o exato instante em que pisou o solo lunar pela primeira vez.
Não havia margem para dúvidas.
Todos os procedimentos técnicos e formais e burocráticos haviam sido plenamente preenchidos.
Revelava-se então a causa maior na qual estavam inseridas todas as missões e operações fracassadas.
O homem estava na lua, como nunca antes estivera.
Todos os envolvidos no esquema acariciaram suas pistolas. Estavam reunidos numa sala estreita e escura, cada um com seu par de olhos voltado para um monitor.
A imagem era nítida como sonho algum jamais havia sido: o homem estava ali. O homem estava na lua!

Caminhava apreensivo pelo saguão do aéreoporto.
Escapara de tudo e de todos durante toda a vida.
Havia decidido: seria a última vez que seus passos largos deixariam o temido rastro de sangue e destruição em planetas contrários às vontades do mestre Babú Babú Babuíno. O fardo se tornava pesado demais agora que já não possuía a ambição e o vigor de outrora.
Há algum tempo já vinha questionando seu comportamento e a imagem que passava de si para os outros. Sentia-se solitário. Babú Babú Babuíno estava mudado, não acariciava mais seu cocoruto peludo e nem lhe dava doces como antigamente. Muito pelo contrário, tornava-se um velho cada dia-luz mais ranzinza. Nem as peraltices que costumavam agradar-lhe eram toleradas.
Experimento X-15 estava decidido a mudar de vida.
Imaginava-se casando e deixando descendentes.
Lembrava-se de namoradas imaginárias do passado, paixões infantis, e buscava nessas imagens uma esposa, uma mulher com quem dividir a vida até a morte.
Caminhava apreensivo pelo saguão do aéreoporto lunar.
Queria ir embora, para logo nanar.

Tevê de Cachorro

"É, e você é o Jack Pipocão, mas eu não preciso ficar falando isso".

domingo, 1 de abril de 2007

Realidade Virtual

Ainda hoje de manhã vi uma reportagem sobre um jovem piloto de Kart.
A criança tem 4 anos, 90 cm de altura e 15 quilos.
O nome que o pai deu: Raiconem.
Diz a reportagem que o pequeno Raiconem não obteve bons resultados em suas primeiras provas.
Ainda, frize-se.

Dois coleguinhas de corrida, já com seus 10 anos, foram entrevistados.
- Ele corre muito, disse um, enquanto o outro afirmou que "Ele é muito... veloz".

Ao final da reportagem, finalmente Raiconem tira o capacete pra mandar algumas palavras à torcida e ao povo brasileiro:
- Quéquessegugudadá.

Famélico

- Oi, ahm..., vocês fazem xis?
- Ãhn?
- Vocês têm xis?
- Quê?
- Xis, tem xis?
- Ãhn?

A outra garçonete ajuda.

- Xis, tipo bauru...
- Ahm...
- Como vocês chamam xis aqui?
- Ãhn?
- C-o-m-o vocês chamam xis aqui?
- Ah, Sandwiche e Companhia.
- Uh... Dois neurônios.
- Hein?
- Dois neurônios.
- ...?
- Tchau.